quarta-feira, 9 de agosto de 2017

O pai ter morrido...

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O tio era irmão do pai, mas não parecia com ele. Nada. Mas se eram irmãos. Melhor ter um irmão diferente do que não ter nenhum. Como ele. Na escola, agora todo mundo ficava olhando. Com pena. Até a professora. Coitadinho. A maioria dos outros alunos olhava só de longe. Ninguém quer saber. Isso de morrer o pai. Ao mesmo tempo todo mundo quer saber. Como é um morto de verdade. Se é frio. Se fica amarelo. Se é mais para verde. Se os vermes saem pela boca. Se o cérebro escorre pelo nariz. Se a mão fica dura. Se o olho fica branco. Se fede e pousa mosca. Todo mundo quer saber. Ninguém tem coragem de perguntar. Vai que o pai deles também morre. Todo mundo tem medo que o pai morra. Mas melhor o pai do que a mãe. A dele agora ficou esquisita. Sem o pai. Não sabe bem. Diferente.. Jogando as coias do pai na sala. Com raiva. Ela não era assim. O menino achou melhor ficar quieto. Não ajudou nem nada.,só ficou olhando.Até que ela foi e sentou no chão. Deve ter se arrependido e começou a dobrar as roupas. Isso ele sabia fazer e então sentou ao lado dela. Mas só depois. Quando não tinha mais medo. Não queria a mãe com raiva dele também. Não era culpa sua. O pai ter morrido.
Uma desordem.



Eda Nagayama in Desgarrados, Cosac Naify, 2015, pág. 111

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