sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Não houve primavera eleitoral!

A festa da democracia, como dizem, está atrasada por causa da covid-19. Do outubro costumeiro passou para novembro. Este ano o primeiro turno da eleição caiu no dia da Proclamação da República. Um belo nome: Proclamação. Que é uma declaração solene que se faz publicamente de uma decisão importante. A Proclamação anterior: Independência ou Morte! Nossos hermanos uniram as duas proclamações: a independência à Espanha já veio com a República. Ninguém pensou, na época, em implantar uma nobreza latino americana (Só ditaduras, mas é outra história...). A proclamação brasileira de 1889 foi, na verdade, um golpe militar que depôs o imperador. Deodoro da Fonseca, que era Marechal do Exército e monarquista fiel, deu atenção a boatos sobre a diminuição do poder do Exército e da Marinha. Febril, saiu da cama, montou num cavalo e, acompanhado de tropas, atravessou o Campo de Santana, tomou o Ministério da Guerra e depôs o gabinete do Visconde de Ouro Preto, primeiro-ministro de Dom Pedro II. Proclamou a República às dez e quarenta e cinco daquela manhã e voltou para casa. Depois, descansado, virou nosso primeiro presidente ao entardecer.

Domingo, dez e quarenta e cinco da manhã, estou na escola municipal em que voto há trinta e quatro longos anos, na seção 135 da 258ª Zona Eleitoral. Por extenso fica mais bonito: ducentésima, quinquagésima, oitava zona eleitoral. Já não sou um menino, mas o prédio está bem conservado. Posso caminhar de olhos fechados pelo prédio até a minha urna eletrônica: Entro, desço três degraus, caminho alguns passos pelo claro hall de entrada, subo o primeiro lance de escadas, vinte largos degraus, caminho uns passos, viro à esquerda e vou até o fim do corredor. De um lado as salas de aula, do outro as janelas, que mostram o tráfego da avenida dos Bandeirantes e o voo dos aviões de Congonhas. As paredes de ambos os lados preenchidas com painéis com os trabalhos das crianças. Como a primavera começa em setembro, o corredor eleitoral fica todo florido, um verdadeiro jardim botânico cultivado por mãos infantis e de suas esforçadas professoras. Toda eleição percorro com vagar esse corredor, absorvendo a alegria, a felicidade e a esperança que as crianças registram em seus trabalhos. Flores, árvores, bichos, riachos, etc. como meus filhos faziam na infância deles e que Martina fará na dela. Flores, casas com chaminés, árvores, flores, sóis, papai, mamãe, irmãos, amiguinhos, bichinhos, bolas, aviões, etc., como só as crianças pequenas sabem fazer. Num longínquo passado, eram os meus rabiscos que enfeitavam uma escola. Não essa, é claro, outra, à beira-mar. O tempo passa e com ele caminhamos todos juntos sem parar...

De olhos bem abertos, mas de máscara, passo pela porta da escola, cumprindo meu dever cívico. Deveria ser um direito e não obrigação, mas isso é assunto para outra crônica. O hall está calmo, sem a movimentação habitual, muitos não devem ter vindo votar com medo da peste. Uma mesária pergunta minha seção. Respondo que chego na urna de olhos fechados. Ela insiste. Cento e trinta e cinco, digo. Ela diz que é lá em cima. Só olho sério para ela, sigo em direção às escadas, com vontade de fechar os olhos e deixar-me guiar pela experiência. No patamar, surpreso, deparo-me com uma imensa porta verde de ferro, tapando todo o vão. Cadê meu corredor florido? Cadê as crianças?

Desnorteado, subo mais um lance de escadas. Um corredor desconhecido. Nenhuma indicação das seções. A sala em frente é da 141ª . A minha está de que lado? Opto para ir para o mesmo lado do meu antigo corredor. 140, 139, 138, 137, o corredor parece um deserto: sem primavera, sem crianças, sem eleitores. As paredes nuas, os painéis vazios, tristezas, preocupações. No chão, as marcas do afastamento social. Dá vontade de chorar. Ainda bem que estou de óculos escuros e máscara.

Breve espero que as crianças voltem às suas salas de aula e a primavera de 2021 forre as paredes escolares, trazendo alegrias e esperanças para todos nós.


José FRID

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