Nos romances de Machado de Assis, ganha interesse o uso de episódios digressivos, aparentemente desmotivadores da continuidade na leitura da trama principal. De repente, o contista ou romancista introduz no conto ou no romance que escreve um curto episódio, às vezes curtíssimo, aparentemente irrelevante (assim crê à primeira vista o leitor). À medida que a narrativa avança, o curto e irrelevante episódio ganha mais e mais poder sobre o todo da fabulação ficcional. Intrometido à força e curto, o caso, ou o causo, faz um corte súbito e inesperado na narrativa linear dos acontecimentos. Depois de cortar a trama, surpreendendo o leitor, o corte possibilita a abertura de espaço próprio no relato. Trata-se duma "digressão", totalmente imprevista pela trama global. Parece que, mal iniciada a viagem, o trem perde o destino, ou descarrila. E logo depois reganha o destino.
Corte, abertura e digressão, se somados, são a forma mais autêntica e corajosa de Machado de Assis interromper, subverter e corroer a tradição oitocentista do romance realista que caminha na cadência do sentido linear e evolucionista da trama e da história social. Como o carro com problema na caixa de mudança de marcha, a narrativa de Machado caminha aos solavancos, e é só assim que ela funciona à perfeição. Safanão estilístico e tranco narrativo são - se somados a corte, abertura e digressão - todos os cinco elementos "trademark" do estilo de Machado de Assis.
Silviano Santiago in Machado, págs.280/281
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