Última noite de outono. Faz frio e choveu. Os paulistanos já estão nos seus trajes de inverno, mais capas e guarda-chuvas. Saio do Metrô e desço a rua em ritmo acelerado para aproveitar a breve estiagem, pois as nuvens já estão de olho nos meus sapatos novos. Carrego comigo o trambolho para-água (casarão é dez), segurando ora pelo cabo, como bengala, ora nos ombros como fuzil.
Primeiro, segundo quarteirão. Ao pôr os pés na terceira quadra, sinto o cheiro característico de maconha. Olho em volta, não vejo ninguém degustando a erva. Seria de algum carro que passara? Sigo meu caminho, preocupado com as nuvens gordas sobre mim, mas logo outra aromática nuvem infiltra-se nas narinas. Repito minha investigação e não detecto ninguém apertando um baseado. Os automóveis fluem céleres pela rua. Mistério total. Sigo à minha casa, o quarteirão é grande e a chuva é próxima. Dois prédios à frente, novamente a fragrância da cannabis sativa. Reparo, agora, um pouco mais à frente, num homem caminhando sem guarda-chuva e casaco. Será ele? Maconha esquenta o corpo?
Apresso o passo para aproximar-me dele, procurando por um cigarro denunciador. Acompanho com o olhar a mão direita. Nada. Na esquerda nada também. Carrega o pito na boca? Estou mais próximo e verifico que dois dedos da mão esquerda estão encostados. Bagana? Canhoto? Fico atento, quem sabe suba à boca. Não espero muito, duas árvores depois ela é levantada e fica por instantes na frente do seu rosto, que não vejo. Tragou, coçou o nariz ou cofiou o bigode? A dúvida esvai-se logo que passo sob a mesma árvore e a catinga da erva penetra no nariz.
Caminhamos muito próximos. Com o guarda-chuva apoiado no ombro, a minha sombra, que as luminárias da rua alongam até a frente do fumante, fica parecendo a de um soldado, o que deixa o cidadão nervoso. Ele olha para trás discretamente, tentando ver quem sou, o que estou fazendo. Olho propositalmente para frente, ignorando-o. A neura faz com que ele arremesse longe a bituca mal-cheirosa e pare, fingindo procurar algo em seus bolsos. Outro baseado? Celular? Uma arma?
Passo por ele. Trinta, quarenta anos, cabelos curtos, sem barba ou bigode, forte, calça jeans sem mostrar cuecas, camisa pólo escura, sapatos pretos. Agora é a sombra dele que passa por mim. Alcançamos a cobertura do ponto de ônibus justo na hora que despenca a previsível e torrencial chuva. A mulher que lá espera retrai-se com a nossa presença. As goteiras aproximam nós três. Reparo que na camisa pólo dele tem o símbolo da loja de ar condicionado automotivo do primeiro quarteirão. O monótono som dos veículos passando no asfalto molhado e dos pingos grossos de chuva batendo no chão é quebrado por um celular. Ele saca o aparelho do bolso da calça: "Tô chegando ..., sim paguei as contas ... deixa eu falar com ela ... fala, filha ... papai já vai chegar ... chuva forte ... sim, tô levando as figurinhas ... vejo o desenho com você ... tô chegando ... beijito!"
Não é que o Fernando Henrique, Bill Clinton e o Mujica, ex-presidente do Uruguai, estão com a razão?
José FRID
Veja aqui que maconha já era um perigo em 1936!!
Constate aqui a diferença entre Rio e São Paulo.
Clique cá e leia o que John Lennon achava sobre as drogas.
Leia aqui sobre o problema de encher os pulmões com a "brisa do inferno"- o crack.
(Atualizado em dezembro de 2014)
4 comentários:
è muito bom ler o que vc escreve.
Estamos de parabéns por termos o privilégio destas leituras.
obrigada
bjs
Rêgina
Fiquei contente que você tenha gostado!!!
Boa semana junina!!!
Meu caro Frid.
Lance seu livro.... Crônicas do Centro
... Entre as Ruas de São Paulo
Não dá para todo esse seu cabedal ficar sem público.
Parabéns mais uma vez!
Apesar de brigar com o meu filho,21, pela simpatia pelos “baseados”
Abs
Márcia
Briga inglória!!!
Por falar nisso, outro dia reparei que na maioria das séries americanas que se passam na atualidade, bem como nos filmes de jovens, só se fala em maconha. Será que lá já estão fazendo a cabeça do povo para liberarem???
Quanto ao livro, aguarde!!
Grande abraço!
FRID
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