quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Os pêlos


Do blog do Arnaldo Bloch (http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/ ):

Os pêlos

As européias podem...

Quando era garoto e o hippismo estava em alta, via com freqüência amigas da mãe, das tias e das primas mais velhas chegarem às piscinas com os sovacos mais ou menos cabeludos. Eram pêlos louros, castanhos, negros, vermelhos, tudo natural. Era comum também o uso de uns tamancos fechados. Por ser ainda baixinho, fixava-me nos pés que saíam dali, vira-e-mexe, para pegar um ar.

Quanto aos pêlos, não tinha especial gosto nem aversão, até porque, naquela época, a ditadura depilatória estava longe de se instalar, de maneira que mulher peluda em alto ou baixo grau era questão de variedade de hábitos, heranças de pele ou de cultura, cada qual com seu gosto de ser e de ter.

Tempo em que podiam caminhar livres pela cidade, sem estigmas de perversão, os eventuais apreciadores de cachos e sovacos (para quem acha a palavra um horror, saiba que não é chulo, para quem é de Aurélio, nem "tabuísmo", para quem é de Houaiss).

Só na puberdade começou, ainda incipiente, essa história maluca de que mulher lisa era sinônimo de mulher limpa e, em certo sentido, de mulher linda. Cabelo debaixo do braço era coisa de fanchona, monstro de circo, moça portuguesa, nadadora alemã.

Mesmo assim, ainda era possível encarar uma peluda sem achar que se estava diante de aberração da natureza - ou, num pesadelo rodriguiano, traçando gulosamente a comunicóloga da PUC de sandálias de couro e tornozelo sujo (logo, sovaco cheio).

Foi na Comunicação, aliás (não a da PUC, para o bem da minha integridade física, nesses tempos de "bopemania"), que, na contracorrente dos tempos vindouros, desfilavam pelos corredores da Praia Vermelha peludas e depiladas de todas as formas, cores e matizes de beleza ou desformosura.

De forma que, imerso no desbunde universitário, sequer me dei conta de que, no arrastão da geração-saúde, a nova ordem estética ia se estabelecendo, trazendo como padrão um blend que misturava bulimia, lipoaspiração, silicone e raspação compulsiva de sovacos irregulares. Note-se que, em outras regiões, a presença/ausência de pêlos continuava democrática, sobretudo quando circunscrita às áreas delimitadas por biquínis ou lingeries de baixo, podendo os mais afeitos à jardinagem púbica (não confundir com pública) exercer sua criatividade e sua fantasia.

Mas no sovaco, não! No sovaco era crime, atentado ao pudor, falta de educação, porcaria, degradação da auto-estima, anacronismo. Se fosse bela, era bela e fera num-mesmo-corpo-ao-mesmo-tempo-agora; se não, era fera e fera, paroxismo do teratológico.

Quando saí da faculdade e larguei o saxofone (sem duplo sentido), fiz a barba e fui trabalhar na empresa da família, passei a freqüentar casas de bons sabonetes e os pêlos axilares começaram a sair de cena até desaparecer completamente. Notei que rareavam em todas as faixas sociais, da mendicância à mais alta grã-finagem. Era como se as cabeludas tivessem entrado em extinção junto com o mico-leão-dourado e os hippies.

Foi por isso que, ao ser transferido para a Europa por meu tio-patrão, fiquei tão surpreso ao topar, de novo, no primeiro verão francês, com os tais pêlos. Mais que nunca, mais que na infância, mais que entre os doidos, mais que na faculdade, os sovacos a rigor, ali ou em qualquer cidade ou país, eram a regra, o banal, o belo, o feio, império piloso do bem e do mal, não necessariamente pilosebáceo (está no Houaiss) - apesar da fama de que gozam alguns povos, como o francês, no imaginário preconceituoso das nações.

E não eram só as francesas. Eram as suíças, as alemãs, as espanholas, as austríacas, as turcas, as belgas, e, em menor mas razoável grau, as italianas. Raro era topar com vegetação rasteira. Aberração era a clareira. Nos parques e jardins europeus os sovacos floresciam assim naturalmente na primavera, orvalhavam-se no verão, e se os pelos caíam ou não no outono, só se ia saber entre quatro paredes, despidos os sobretudos e os tudos.
Passei três anos fora e quando fui embora ainda era assim, apesar de uns outdoors de moda já proporem ao público francês o modelo de axila zero, que acabaria pegando por lá também, mas moderadamente, graças à résistance peluda, que jamais cessaria, para o bem da pluralidade e da união européia.

Chegado de volta à terrinha, vi que o paradigma da raspação não só se reforçara, mas chegara a homens que se queriam másculos (queriam, mas não necessariamente conseguiam), adotando, para tal, peito e coxas calvos, e alimentando o sonho de ir ao programa da Tiazinha para serem depilados ao vivo.

Pois, semanas atrás, durante uma reportagem, eu e meu colega Chico Otávio, tomados pelo mais genuíno interesse jornalístico, flagramos um exemplar brasileiro de sovacopilosidade feminina. Tememos por sua segurança, mas logo soubemos que, apesar de canarinha, a peluda vivia no exterior, estava em visita à cidade, era como um salvo-conduto.

Tinha entre 25 e 30 anos. Traços e estatura modiglianescas, estava bem asseada e não exibia sinal de desajuste comportamental. Despedimo-nos respeitosamente e, de volta ao jornal, eu e Chico viemos conversando sobre como regredimos em nossos usos e costumes e na nossa noção de liberdade.


MEU COMENTÁRIO: QUE É MELHOR UMA AXILA LISINHA, ISSO LÁ É!! SACRIFÍCIO FEMININO PARA O DELEITE MASCULINO!!

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