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terça-feira, 15 de junho de 2021

Contingências ....

Acho que só mais tarde na vida você começa a perceber o quão contingente é a vida e a maneira extraordinária como a própria vida depende de decisões tomadas em uma direção ou outra. Acho que, quando você é jovem, não percebe bem isso. Você acha que sua vida é dirigida por sua própria vontade, mas então olha para trás e percebe que uma grande infraestrutura está sendo destruída. Com quem você fez parceria durante os anos em que as pessoas estão morando juntas, por exemplo - é apenas quem você encontrou durante aquela janela importante. Mais tarde, passa a ser uma questão de empregos.

Penelope Lively  in The Paris Review, edição 226, outono de 2018

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Os acasos da manhã


ERA DOMINGO e, depois de alguns dias cinzentos, vi pela janela da sala que a manhã estava clara e iluminada. Embora não tenha, aparentemente, qualquer motivo para cair na fossa, nada impede que, de repente, na manhã clara, a alma se acinzente. Por isso, antes que isso ocorresse, tratei de sair de casa e ir andar pela avenida Atlântica, a uma quadra e meia de onde moro.


Não faço cooper, mas andar é o recurso de que lanço mão quando, não sei por que, a vida perde sentido. Nessas horas, meus amigos, não há teoria que resolva, já que é a cabeça mesma que diz não.

Por isso a única alternativa é sair andando, andando à toa, já que também não há aonde ir, ou seja, nenhum destino interessa.

Andar, porém, se pode andar sem destino, deixando por conta das pernas o rumo a seguir. Hoje, no entanto, não foi esse o caso: decidira sair deliberadamente para andar ao sol, sentir no rosto a brisa do mar, gozar do prazer de estar vivo.

Pois bem, quem me lê e presta alguma atenção no que digo, já deve saber que, para mim, o acaso é um fator decisivo em nossa vida e em tudo, das menores às maiores coisas, da topada no meio-fio ao poema que se escreve.

Mas faço questão de dizer que o acaso não é tudo, uma vez que ele só contribui para nossa vida quando atende a alguma necessidade. Isso para os acasos sérios, o que não é o caso da topada no meio-fio, a menos que nos destronque o pé.

Já o amor verdadeiro pode ser fruto da conjugação feliz de acaso e necessidade. Por isso, você diz: "Estava escrito"; "Foi Deus quem a pôs no meu caminho".

De fato, a conjugação de acaso e necessidade parece ter algo de milagre. Só que não pensei em nada disso quando desci no elevador, saí pelo portão do edifício e cheguei à rua, batida de um vento matinal. E foi assim, quase flutuando, que alcancei a avenida Atlântica, onde banhistas e ciclistas animavam a paisagem.

E eis que, ao chegar ao calçadão, sou cumprimentado por um homem de bermudas e camisa desabotoada que me diz: "Senhor Gullar, levei sua crônica para Buenos Aires e o pessoal ficou muito feliz".

Falava com leve sotaque portenho; pergunto a que crônica se referia e ele disse que era uma sobre o apartamento em que eu morara em Buenos Aires durante o exílio. Ah, sei, disse eu, na avenida Honório Pueyrredón.

O acaso não é senão a ocorrência de alguma probabilidade. Aquele senhor, possivelmente argentino e que mora no Rio, saíra de casa, como eu, para andar à toa pela praia e se deparara, por acaso, comigo, autor de uma crônica que se referia à sua cidade, ou melhor, a algo que ocorrera eventualmente num dos prédios de uma de suas inumeráveis avenidas.

Se um de nós dois tivesse saído de casa para aquele passeio, alguns minutos antes ou depois, não nos teríamos encontrado e eu jamais saberia do que me contara. Nem esta crônica estaria sendo escrita.

"Recortei sua crônica e a levei para o síndico do edifício onde o senhor morou. Ele disse que já ouvira falar de um exilado brasileiro que residira ali."

Sempre me encanta essa magia dos acasos da vida. Veja você: uma editora argentina decidira lançar a tradução de meu "Poema Sujo", escrito naquele apartamento de Buenos Aires em 1975. Como não viajo de avião, meu amigo Roberto Viana convenceu-me a ir até lá de carro para o lançamento do livro e me levou, claro, até o edifício onde o poema nascera.

Filmou-me à porta de entrada, que estava fechada, sem que, lógico, o síndico nem nenhum dos moradores soubesse do que ali ocorria, naquela tarde de 10 de setembro, aliás, dia de meu aniversário. Agora, todos o sabem, porque a referida crônica foi emoldurada e posta no hall de entrada.

Despedi-me do simpático argentino e segui meu passeio sem rumo, quando fui abordado por três garotos e um deles me perguntou: "O senhor não é o Paulo Goulart?". Já habituado a esse tipo de confusão, apenas sorri. E o outro rapaz: "Nada disso, cara, ele é o João Goulart... Não, não, é o Goulart de Andrade. O senhor não é o Goulart de Andrade?".

Dou um adeusinho a eles e cruzo a pista da avenida em direção ao mar. Sou mesmo aquele cara famoso que não se sabe quem é.


FERREIRA GULLAR  (Folha de São Paulo, 24/10/10)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sobre acidentalismo pessoal e na história


A senhora imaginava que chegaria aonde chegou?



Não, a minha vida nunca foi planejada, sabe? As coisas acontecem comigo quase por acaso. Nunca planejo nada. A única decisão que efetivamente tomei na minha vida foi: vou escrever o meu livro sobre Espinosa.



Esse acidentalismo da vida pessoal pode ser transferido também para a história?



As coisas que me acontecem só acontecem porque eu sou do jeito que sou; ou seja, há dados na minha própria personalidade ou na minha própria história que me levam a entrar nas coisas. Então não há acaso na história. Eu acho que frequentemente a gente não percebe os fios da necessidade, que tendem a ficar ocultos. Nesse ponto eu sou profundamente espinosista: tudo é necessário.



Marilena Chauí



Entrevista para a Revista Cult

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O arquiteto sem sorte!


Foi publicado, recentemente, o livro "O Arquiteto" (Editora Martins Fontes) contendo a peça escrita por Rui Tavares, que conta a história do arquiteto Minoru Yamasaki (1912-1986).


Minoru foi responsável pelos projetos de duas obras marcantes na arquitetura mundial: o conjunto habitacional chamado Pruitt-Ingoe, na cidade de St.Louis, Estados Unidos, considerado uma obra prima de planejamento urbano nos anos 50; e o World Trade Center, que suportaria até o choque de um Boeing 707, o maior avião de passageiros da época (1973).


As duas obras vieram ao chão!


O conjunto habitacional foi demolido em 16 de março de 1972, dia considerado pelos historiadores da arte e do urbanismo do século 20 como a "data da morte da arquitetura moderna."


Trechos extraídos de artigo do Marcelo Coelho, da Folha de São Paulo:


"Ele desenhou 33 prédios de 11 andares, retinhos e iguais, prevendo tudo quanto é tipo de área comunitária, parque infantil, espaço de circulação... Uma típica superquadra, em resumo. Em poucos anos, aquilo virou uma favela irrecuperável, e depois de décadas de assassinatos, estupros, tráfico de drogas, miséria e degradação, as autoridades resolveram deitá-la abaixo."

"Os pós-modernistas vibram diante do fracasso daquela arquitetura racionalista, uniforme, retangular e autoritária. Na peça de Rui Tavares, Minoru Yamasaki se defende. Tinha planejado as coisas do melhor jeito possível."

"O conjunto residencial era dividido em duas partes: uma para brancos, outra para negros. Acontece que, alguns anos depois, foi votada uma lei antidiscriminação no Estado do Missouri. Os brancos não quiseram se misturar nos mesmos prédios. Todo o conjunto desvalorizou. A falta de manutenção era total."

"No calor, as janelas não se abriam; o jeito era quebrá-las. O sistema de elevadores, que funcionava mal desde o primeiro dia, parou de vez. Mas as mulheres tinham medo de usar as escadas, porque podiam ser estupradas. No fim, os empregados das empresas de água e gás não se arriscavam mais a entrar nos edifícios. Culpa da arquitetura moderna?

Talvez não. Ingenuidade autoritária, certamente: como pensar em construir prédios imaculados e perfeitos numa sociedade segregada e violenta?"

O caso do World Trade Center todo mundo conhece: graças a um sistema de estruturas tubulares, os edifícios construídos são capazes de resistir ao impacto até de um Boeing 707. Em 2001 eram 747, Airbus, ....


Você compraria, moraria ou trabalharia em um prédio projetado pelo Minoru Yamasaki?


José Frid