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segunda-feira, 15 de abril de 2019

Renée, sorriso amplo e desastroso...

Renée, o quarto membro do círculo, sempre estava bem vestida e era, de algum modo, chique. Sua silhueta tinha personalidade, do penteado ondulado aos saltos dos sapatos, incrivelmente altos. Se Renée conseguisse conter seu sorriso desdentado, é possível que pudesse se passar por uma jeune gonzesse. Não conseguia. O sorriso era amplo e desastroso. Por ele a gente enxergava lá dentro da garganta dela. Quando sorria, a gente sentia como se a vida dela estivesse em perigo, como provavelmente estava. A pele dela não era particularmente desgastada. Mas Renée era velha, muitos anos mais velha que Lena; talvez tivesse uns vinte e cinco anos, o que para uma mulher da sua profissão significa ser muito velha. Sobre Renée, havia também certa fragilidade perigosa de insalubridade. E ainda assim Renée era firme, imensuravelmente firme. E precisa. Seus movimentos exatos eram os movimentos de um mecanismo. Até sua voz tinha um timbre puramente mecânico. Com essa voz ela só conseguia produzir duas coisas: guinchos e bramidos. Às vezes tentava rir discretamente e quase desmoronava. René, na realidade, estava morta. Ao olhar para ela pela primeira vez, percebi que deve haver algo elegante em relação à morte.


E.E.Cummings in A cela enorme, Editora UFPR, tradução de Luci Collin, pág.118   

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Lily, uma garota alemã

Lily era uma garota alemã que parecia incrivelmente velha, usava vestidos brancos, ou que alguma vez tinham sido brancos, tinha um tipo de grito se anunciando na garganta, além de uma tosse mortal e densa, e tropeçava suavemente sob olhares masculinos. Sobre o magro pescoço de Lily, um rosto tinha sido colocado para que todo mundo olhasse e sentisse medo. A própria face era feita de carne verde e quase pútrida. Em cada bochecha uma mancha vermelha. Que não era ruge, mas a flor que a tuberculose planta na bochecha de seu escolhido. Um rosto vulgar, amplo e com traços pesados sobre o qual um sorriso estava sempre despencando inutilmente. À vezes, Lily sorria, mostrando vários dentes monstruosamente deteriorados e amarelos, dentes que, quase sempre, estavam fumando um cigarro. Suas mãos azuladas eram, de um modo muito interessante, estéreis; os dedos nervosos viviam em invólucros submissos de pele sardenta e pareciam quase vivos.
Ela deveria ter uns dezoito anos.



E.E.Cummings in A cela enorme, Editora UFPR, tradução de Luci Collin, págs.117/118 

domingo, 7 de abril de 2019

Lena, uma mulher

Lena, também belga, sempre e felizmente escapava por pouco de ser um tipo que no inglês americano (às vezes chamado "gíria") recebe um nome bem-definido. Lena tinha os atributos de um mulherão. E, contudo, graças a La Misère, uma determinada personalidade indubitável foi sendo, aos poucos, consumida. Um rosto duro e comprido, sobre o qual foi livremente lançado um pouco de cabelo cor de feno. Mãos extenuadas e mutiladas. Um jeito solto e rouco de rir, que contrastava muito com o risinho abafado e gorgolejante de Celina. Energia em lugar de vivacidade. Um poder e uma aspereza caracterizavam sua risada. Ela nunca sorria. Sempre ria ruidosa e obscenamente. Uma mulher.



E.E.Cummings in A cela enorme, Editora UFPR, tradução de Luci Collin, pág.117  

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Celina, estimulante cinese....

Celina Tek era um animal extraordinariamente bonito. Seu corpo firme de menina emanava uma vitalidade suprema. Não era nem alta nem baixa, e seus movimentos, nem graciosos nem desajeitados. O corpo ia e vinha com uma movimentação sexual cuja saúde e vigor deixavam todo mundo em La Ferté parecendo fraco e velho. Sua voz profunda e sensual tinha uma profusão vulgar. Seu rosto, moreno e jovem, facilmente aniquilava os muros antigos e cinzentos. Seu maravilhoso cabelo era escandalosamente preto. Seus dentes perfeitos, quando sorria, faziam você se lembrar de um animal. O culto a Isis nunca adorou um sorriso mais profundamente luxurioso. Este rosto, emoldurado pelo negror de seu cabelo, parecia (à medida que se movia à janela que revelava a cour des femmes) inexorável e colossalmente jovem. O corpo era absoluta e destemidamente vivo. Na impecável e completa desolação de La Ferté e do outono da Normandia, Celina, se movendo ágil e feroz, era uma estimulante cinese.

E.E.Cummings in A cela enorme, Editora UFPR, tradução de Luci Collin, pág.117


quarta-feira, 3 de abril de 2019

Bigodes...

[...]
Por algum engano, ele tinha três bigodes, sendo dois deles sobrancelhas. [...] Ao falar com você, o amável rosto dele pacificamente se reduzia a triângulos.

E.E.Cummings in A cela enorme, Editora UFPR, tradução de Luci Collin, pág.90 

domingo, 31 de março de 2019

Olhos sábios....

[...] O planton que sofreu todas esta indignidades era um jovem solene com olhos sábios muito separados em uma elipse inexpressiva e farinhenta de rosto, de cuja extremidade inferior pendia uma penugem, precisamente como uma pena grudada num ovo. Embora o resto dele fosse bastante normal, as mãos eram estranhas e não formavam um par, sendo a esquerda consideravelmente maior e de madeira.

E.E.Cummings in A cela enorme, Editora UFPR, tradução de Luci Collin, pág.67