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quinta-feira, 21 de julho de 2011

Língua






Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!



Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?



Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé



Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?



Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem


Caetano Veloso

terça-feira, 5 de abril de 2011

Alegria, Alegria


Caminhando contra o vento

Sem lenço e sem documento

No sol de quase dezembro

Eu vou...


O sol se reparte em crimes

Espaçonaves, guerrilhas

Em cardinales bonitas

Eu vou...


Em caras de presidentes

Em grandes beijos de amor

Em dentes, pernas, bandeiras

Bomba e Brigitte Bardot...


O sol nas bancas de revista

Me enche de alegria e preguiça

Quem lê tanta notícia

Eu vou...


Por entre fotos e nomes

Os olhos cheios de cores

O peito cheio de amores vãos

Eu vou

Por que não, por que não...


Ela pensa em casamento

E eu nunca mais fui à escola

Sem lenço e sem documento,

Eu vou...


Eu tomo uma coca-cola

Ela pensa em casamento

E uma canção me consola

Eu vou...


Por entre fotos e nomes

Sem livros e sem fuzil

Sem fome, sem telefone

No coração do Brasil...

Ela nem sabe até pensei

Em cantar na televisão

O sol é tão bonito

Eu vou...


Sem lenço, sem documento

Nada no bolso ou nas mãos

Eu quero seguir vivendo, amor

Eu vou...


Por que não, por que não...

Por que não, por que não...

Por que não, por que não...

Por que não, por que não...


Caetano Veloso

Assista nos links abaixo:

Festival da Record - 4º Lugar: Intérpretes: Caetano Veloso e Beat Boys (notem eles são argentinos - porque non - é dose !!!)

http://www.youtube.com/watch?v=Gz8UZZ-r-q0

na premiação:

http://www.youtube.com/watch?v=4tzSETbQcJk


comentário de Caetano, hoje, como Alegria Alegria nasceu da Banda:

http://www.youtube.com/watch?v=wxbE4ISy5FM

1975

http://www.youtube.com/watch?v=p4srizmb8B4&feature=related

Caetano Veloso com Roberto Carlos

http://www.youtube.com/watch?v=8tgzye09PAk


sexta-feira, 5 de junho de 2009

Tropicália - Caetano Veloso

Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés, os caminhões
Aponta contra os chapadões, meu nariz

Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país

Viva a bossa, sa, sa
Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça

O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga,
Estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente,
Feia e morta,
Estende a mão

Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta

No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira entre os girassóis

Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia

No pulso esquerdo o bang-bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança a um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele pões os olhos grandes sobre mim

Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma

Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém, o monumento
É bem moderno
Não disse nada do modelo
Do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Viva a banda, da, da
Carmen Miranda, da, da, da, da

(Do disco Tropicália)

Leia mais sobre a época da criação da música em "Verão de 1968"

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Caetano tentando explicar Caymmi


Caymmi completou sua vida luminosa. Saí do ensaio das músicas de Jobim com Roberto Carlos e fui à Câmara Municipal ver a cara dele pela última vez. Beijei Nana. Rimos. Não pode haver um jingle turístico mais perfeito do que "Você já foi à Bahia?". E nenhum seria assim puro de toda ansiedade comercial. É que não é para "turistas". Não tem desprezo nem raiva dos turistas, mas é para quem quer que seja uma "nêga" que mereça ser chamada assim (claro que isso pode ser mulher ou homem: estou falando de algo essencial numa alma humana). Caymmi trouxe a coloquialidade mais natural para os versos e as notas das canções. A melodia inicial de "Você já foi à Bahia?" tem as interrogações no lugar certo, a vírgula no lugar certo, o ponto final no lugar certo. "Você já foi à Bahia, nêga, não? - então vá." vem em frase melódica que canta a nossa fala natural. E segue assim, na entonação de "Quem vai ao Bonfim, minha nêga", onde a vírgula entre "Bonfim" e "minha nêga" cai certinho, e esse "minha nêga" vem em notas mais baixas (e ainda descendentes), exatamente como quando alguém (sobretudo um baiano) fala. E a gradação virgulada de "muita sorte teve, muita sorte tem, muita sorte terá", seguida da volta da pergunta inicial, agora com o ponto final mais definitivo, incidindo sobre a fundamental! E - depois do refrão "então vá" repetir-se ritmicamente seguindo a série "lá tem caruru", "vatapá", "mungunzá" - abre-se aquele largo das "sacadas dos sobrados da velha São Salvador..." que eu repeti quase todo (menos o último verso) em "Terra". Há aí bandeira de que se trata de obra de extração popular, quase iletrada, nas inadequações prosódicas de "velha" (que, por força da melodia torna-se - ou tornar-se-ia - "velhá") e de "tempo" (que vira "tempu" - ou, se você for gaúcho ou paranaense, "tempô")? Há. É feio? Não. Fica pior quando se tenta "corrigir"? Nem assim. Não fica menos rica essa canção por alguém mudar um pouco a melodia para forçar uma adequação prosódica. Nem por alguém entregar-se à deformação popular dos paroxítonos em oxítonos. "Você já foi à Bahia?" é uma jóia perfeita. E, além de ser uma banalidade, é um retrato passadista da cidade. Mas será? Na verdade é um retrato atemporal, um retrato essencial, o retrato de algo que dura mais do que as mudanças que surgem e morrem em pouco tempo. Esse mundo (de aparência passadista mas referido a durações mais profundas - e de extrema naturalidade de dicção) reencontra-se nos sambas todos que Caymmi fez e cantou: "Lá vem a baiana", "Requebre que eu dou um doce", "A vizinha do lado", "Vatapá", "Vestido de bolero", "Rosa morena", tantos. Em todos - e muito claramente na parte repetitiva de "Você já foi à Bahia?" - a exposição consciente do parentesco entre o Brasil e Cuba, a Bahia e Cuba. Jorge Luis Borges, num texto em que lista a contribuição dos negros às culturas americanas - fato que ele credita ao padre Bartolomé de las Casas, por este ter sugerido, por pena dos índios, a importação de escravos africanos - , deplora a existência da "insuportável rumba 'El Manicero'". Nesse texto, típica mas chocantemente, Borges nem sequer alude ao Brasil (imagine alguém escrever um texto sobre a contribuição dos negros na construção das nações americanas e nem citar o Brasil, o maior e mais miscigenado de todos os países da América, o que abriga a maior população negra fora do continente africano!). E justamente o samba que fez Caymmi famoso no Brasil - e o Brasil famoso no mundo, através de Carmen Miranda - é, em larga medida, uma variação sobre "El Manicero": "O que é que a baiana tem?". Eu credito à força da língua espanhola a visão desproporcionada de Borges. E Carmen adaptou-se a muitas submissões da música brasileira aos estilos cubanos, mais conhecidos dos norte-americanos (aliás, Exequiela, são poucos no Brasil que, poucas vezes, usam o termo "estadunidense", e eu entendo: é feia essa palavra: o sumiço do plural de "estados" me causa desconforto, para só dizer o mínimo; e na verdade "americano" quer, no mais das vezes, dizer "relativo aos Estados Unidos da América", que, indo mais longe do que no caso da África do Sul, é o único país cujos colonizadores não sentiram necessidade de nomear, tomando o nome do continente para si, como se dissessem: "América é onde chegamos, o resto é nada" - e é a partir disso que se comporta a língua ao redor desse conceito; acho natural e saudável que tentemos reagir a isso, mas "estadunidense" não é uma boa solução - nem "estados unidos" é propriamente um nome: o nome é América, "estados unidos" equivale a "república federativa" ou a qualquer outra designação genérica - e, de fato, o México é Estados Unidos do México e o Brasil foi, até pouco tempo, Estados Unidos do Brasil; quando aceitamos o equívoco termo "americano" como significando "dos Estados Unidos", ou mesmo "norte-americano" (já que este se aplicaria igualmente ao México e ao Canadá), estamos apenas usando uma palavra pelo que ela mais freqüentemente significa: resistirmos a isso não mostra mais nossas forças do que nossas fraquezas). Mas "O que é que a baiana tem?" não ecoa submissão nem humilhação diante da América hispânica: transpira sabedoria no generoso reconhecimento de parentesco. Caymmi surge aqui muito mais alto do que Borges. Mas essa minha volta rebuscada e petulante não deve nos afastar de considerações menos discutíveis. Por exemplo: a combinação reveladora de sutilezas impressionistas com rudeza, tal como se ouve nas "canções praieiras". A previsão da bossa nova no casamento do coloquialismo natural com a sofisticação composicional, como perceptível nos sambas-canções dos anos 40 e 50. A mescla de canto operístico com intimidade. A contribuição para a criação do autor-cantor (que em língua espanhola e italiana se chama de "cantautor"): Caymmi é o único que conheço que foi, ao mesmo tempo, o Gershwin e o Bing Crosby (ou Al Johlson), uma prefiguração do que seríamos os autores-cantores dos anos 60 em diante, Gilberto Gil, Bob Dylan, João Bosco... Há o caso dos bluesmen, como Robert Johnson, ou dos trovadores franceses, como George Brassens. Mas, sem entrar no mérito da qualidade artística intrínseca de nenhum deles, Caymmi foi algo que eles não foram: um autor como Cole Porter ou Ary Barroso, abrangente, variegado. E foi o que nem Barroso nem Porter puderam ser: o melhor intérprete de suas próprias canções, sobretudo quando sozinho com seu violão. E aquela voz de Caymmi, aquela voz de caverna (que seus três filhos herdaram), voz de caverna marítima, como aquela que, ecoando o ronco das ondas, soa como um rugido de leão, na costa da ilha de Fernando de Noronha, Gruta Azul. A voz de Caymmi é uma Gruta Azul com cantos napolitanos de barqueiros dentro, barqueiros que pensam que enganam os turistas. Caymmi era uma rocha e um anjo. Demasiado material, demasiado espiritual. Caymmi é um núcleo do Brasil. Caymmi será o Mundo. Quem disse melhor sobre suas canções foi Arnaldo Antunes: Não parece coisa feita por gente.


Copiado do Blog do Caetano

OBSERVAÇÃO DO FRID: NOTARAM A IMPORTÂNCIA DA VÍRGULA, "NÊGAS"????