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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Não vimos nada....


Vocês vão me desculpar: somos moças do interior [...] excetuando-se as funções religiosas, tríduos, novenas, trabalhos de lavoura, debulha de cereais, vindimas, açoitamento de servos, incestos, incêndios, enforcamentos, invasões de exércitos, saques, estupros, pestilências, não vimos nada.

Italo Calvino em O cavaleiro inexistente, trecho citado por Umberto Eco

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Personagens....

Assim, Dumas comenta em suas memórias: "É prerrogativa de romancistas criar personagens que matam aqueles dos historiadores. A razão é que os historiadores evocam meros fantasmas, enquanto os romancistas criam gente de carne e osso".


(Alexandre Dumas in Viva Garibaldi! Une odyssé en 1860, cap.4)

Umberto Eco in "Confissões de um jovem romancista", Zahar, pág.66


terça-feira, 10 de outubro de 2017

O leitor empírico e suas paixões...

O leitor-modelo de uma história não é o leitor empírico. O leitor epírico é você, sou eu, qualquer pessoa quando for ler o texto. Os leitores empíricos estão aptos a ler de várias maneiras, e não há lei que lhes diga como devem fazê-lo, porque eles em geral usam o texto como veículo para suas próprias paixões, as quais podem vir de fora do texto ou ser suscitadas por acaso pelo texto.

Umberto Eco in Confissões de um jovem romancista, Zaharpág. 41



domingo, 8 de outubro de 2017

Um texto ao mundo...

Quando se envia um texto ao mundo como uma mensagem numa garrafa - e isso ocorre não apenas com a poesia ou a narrativa, mas também com livros como 'Crítica da razão pura', de Kant - ou seja, quando um texto é produzido não para um único destinatário, mas para uma comunidade de leitores, o autor sabe que será interpretado não de acordo com suas intenções, mas segundo uma complexa estratégia de interações que também envolve os leitores, além da competência que eles possuem sobre a língua como um tesouro social. Por "tesouro social" quero dizer não somente determinado idioma que compreende um conjunto de regras gramaticais, mas ainda a enciclopédia gerada pelos desempenhos dessa língua: as convenções culturais produzidas por esse idioma e a história das interpretações anteriores de seus muitos textos, incluindo o que o leitor está lendo.

Umberto Eco in Confissões de um jovem romancista, Zaharpágs. 40/41

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O que é o texto?


O texto é uma máquina preguiçosa que exige que os leitores façam a sua parte - ou seja, é um mecanismo concebido para suscitar interpretações (conforme escrevi em The Role of the Reader: Explorations in the Semiotics of texts)


Umberto Eco in "Confissões de um jovem romancista", Zahar, pág. 34

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Conhecer assunto e palavras...


(no romance...) - "Conheça o assunto, e as palavras irão fluir" - ao passo que em poesia devemos mudar o ditado para "Conheça as palavras, e o assunto irá fluir".

Umberto Eco in "Confissões de um jovem romancista", Zahar,  pág. 18

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Para quê escrever.... Umberto Eco


(...) num poema ou num romance, a intenção é representar a vida em toda a sua incoerência. A intenção é pôr em cena uma série de contradições, tornando-as claras e pungentes. Os escritores criativos pedem a seus leitores que arrisquem uma solução; não oferecem uma fórmula definida (exceto os escritores kitsch ou sentimentais, que almejam oferecer consolação barata).


Umberto Eco in Confissões de um jovem romancista, Zahar, pág. 11

terça-feira, 24 de março de 2009

Rinoceronte x unicórnio - Os preconceitos

Umberto Eco relata em Kant e o Ornitorrinco:

Quando Marco Polo se defronta, em Java, com animais nunca vistos (hoje, rinocerontes), realiza um esforço para identificá-los (e nomeá-los) consultando seu estoque de conhecimentos anterior: lançando mão de características de animais que já conhece e a partir das descrições disponíveis em sua cultura, tenta estabelecer relações e, por aproximação, classifica o novo a partir de referências existentes. Se de imediato identifica-os aos unicórnios - seu corpo, as quatro patas, um chifre acima do nariz, etc., - rapidamente verifica que a classificação feita não é inteiramente própria, uma vez que, nessa comparação, constata a existência de diferenças relativamente ao modelo anterior.

De fato, os animais que se lhe apresentam agora "não são brancos e ágeis, mas têm 'pêlo de búfalos e pés de elefantes', o chifre é negro e desgracioso, a língua espinhosa, a cabeça semelhante àquela de um javali: 'É uma besta muito feia de se ver. Não é, como se diz por aqui, que ela se deixe pegar como uma donzela, mas acontece ao contrário' (Milione 143, apud ECO, op.cit.). Tais características não condizem exatamente àquelas do unicórnio presentes em sua enciclopédia, motivo pelo qual precisa prosseguir na sua tentativa de classificação. Neste momento, deve tomar uma decisão: ou segmenta novamente o conteúdo sugerindo um novo animal, ou modifica a intensão dos unicórnios alterando sua descrição anterior para acomodar os novos animais.

Mesmo assim, Marco Polo escreveu em seu diário que "havia visto um unicórnio", mas que "ele não era tão bonito como nos contos de fadas que conhecia. Ao contrário de ser branco, era cinza. Não era esguio, mas gordo. Ao invés de alto, era baixo".

Nunca tendo visto um rinoceronte, Marco Polo associou o rinoceronte à única imagem similar que a priori tinha conhecimento. A de um unicórnio. Ainda que esse ser a conhecer nada tivesse com aquele.

Para ele - como é para todos nós de forma geral, em maior ou menor grau - mais fácil foi associar o rinoceronte, até então desconhecido, a um animal já familiar (ainda que mitológico, só imaginado pelos contos de fadas e só visto em desenhos de livros infantis), do que reconhecer sua ignorância e, transpondo os obstáculos de seu conhecimento, reconhecer que estava frente a uma nova realidade que, querendo, poderia apreender.