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sábado, 17 de dezembro de 2011

Livro aberto


A rua é um livro aberto.
O olho minúsculo de um pássaro
é um livro aberto.
A porta fechada de um quarto 
é um livro aberto.
Tenho escrito palavras
de muitos livros refeitos
que, surdos e quietos
tecem límpidos e claros
os seus herméticos enredos.
Na rua leio o que soletro.
No minúsculo olho de um pássaro
não leio o que vejo,
embora pássaros e ruas
me ensinem o que percebo.
Me ensinam, por exemplo,
o desterro aberto e refeito
de todo livro relido,
se atrás da porta fechada, 
refaço o seu silêncio desfeito,
releio o meu silêncio perdido.


Mario Chamie in "Sabático, Estadão, 18 de dezembro de 2010

quarta-feira, 6 de julho de 2011

POR TRÁS DA PALAVRA - Mário Chamie (1933-2011)



Por trás
de toda palavra
há uma trama
cavada.
Só não se cava
nem se sagra
a palavra
enclausurada.



A clausura
da palavra
é a palavra
lacrada;
é a usura
da palavra
que não abre
suas veias
se se envenena
de nada.



Só se salva
a palavra
contaminada
por outra palavra
sangrada:
- pois a palavra
infectada
pelo que outra
desata
é a palavra
que em sua casca
se rasga
contra o nada
da palavra
enclausurada



Por trás
de toda palavra
que não se perde
lacrada
há a trama envenenada
de toda palavra
tramada.



Mário Chamie in CARAVANA CONTRÁRIA, Geração Editorial, 1998.


domingo, 3 de julho de 2011

PLANTIO - Mário Chamie (1933-2011)




PLANTIO



Cava, 

então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.




Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.



Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.



Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.



Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.



Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.



Mário Chamie in Instauração Praxis II, 1974