O que leva um homem a perder a sua honra e envergonhar o povo de todo um estado, estado que foi às armas em 1932 para não se submeter a um ditador?
O que leva um homem a revogar uma decisão irrevogável? Se retratar de uma decisão irretratável?
Não é o caso de se desonrar para manter o mandato de senador, mas perder a honra para manter o título de líder do partido no Senado. A diferença entre ser líder do partido e ser um senador comum são apenas os cargos à sua disposição e os holofotes das tevês. Seriam estes os vil motivos da desonra?
O que lula ofereceu? Cargos no governo? "Boquinhas públicas" para amigos e correligionários? Interesses privados inconfessáveis? O que lula ameaçou? Cargos no governo? "Boquinhas públicas" para amigos e correligionários? Interesses privados inconfessáveis? O que o senador temeu perder?
O senador Flávio Arns, do PT do Paraná, liderado (?) pelo indigitado Mercadante, teve coragem de dizer, bem alto, que:
- "O PT jogou a ética no lixo e vai ter de achar outro caminho. Deu as costas ao povo, à sociedade e às bandeiras tão caras a tantas pessoas. Tenho vergonha de estar no PT".
O artigo abaixo mostra até onde chega a degradação de um homem público. Não deixe de lê-lo!
Em 2010 fora com o Mercadante!
Ao rei tudo, até a honra
BOSTON – "Ao rei tudo, menos a honra!"
A frase de abertura, entre aspas, de autoria de Calderon de La Barca, teatrólogo espanhol, é uma paráfrase de outra maior, um pensamento atribuído a Maquiavel.
No Brasil, a sentença entrou para a história, em episódio ocorrido há 41 anos, em 11 de dezembro de 1968, em uma das situações mais crítica para o Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados discutia o pedido de licença, formulado pelos generais na ditadura de então, para processar o deputado Márcio Moreira Alves, por conta de um discurso considerado ofensivo às forças armadas.
A votação foi precedida de um discurso do deputado norte-riograndense Djalma Marinho, jurista de renome e presidente, há anos, da Comissão de Constituição e Justiça. Egresso da UDN, partido que respaldou o Golpe Militar de 1º. de abril de 1964, integrava a ARENA, o partido dos generais.
Em seu discurso, Djalma (de quem tive a honra de ser amigo, embora politicamente estivesse no lado oposto) ressaltou os seus vínculos com o regime dominante, falou dos riscos que recaiam sobre ele, pessoalmente, bem como sobre o Congresso Nacional. Destacou, no entanto, que a sua formação jurídica e democrática o impedia de aceitar o pedido dos militares. Concluiu com a frase que está na abertura deste escrito.
O Congresso negou a licença pedida pelos generais. O gesto foi o pretexto para a adoção do Ato Institucional No. 5, de famigerada lembrança na história do Brasil.
A ditadura endureceu, a perseguição generalizou-se, foi instituída a tortura, como coisa corriqueira.
O Congresso foi fechado. Resultado: Djalma, que não tinha recursos, precisou procurar trabalho como advogado, profissão que não exercia há décadas. Sobreviveu com sua família. Não maculou a sua história e continuou um homem honrado.
Os tristes episódios envolvendo o senador Aloízio Mercante, na semana passada, provocaram um estalo da minha memória. Daí a invocação à frase de abertura deste escrito.
Depois de ser desautorizado pelo presidente Lula, em várias oportunidades, desde quando iniciada a crise no Senado, por conta das "diabruras" de Zé Sarney, finalmente todos entenderam que Mercadante resolvera levantar a cabeça e mostrar o seu brio.
Enfrentou o presidente Lula e a presidência do seu partido, o PT, quando se recusou a substituir os senadores petistas no Comitê de Ética, onde teriam votos decisivos na votação dos recursos contra o arquivamento das representações contra Sarney. Ademais, não aceitou ler a nota oficial do partido justificando o apoio ao senador amapaense e "coronel" maranhense.
Na sequência, espontaneamente, anunciou a sua renúncia, em caráter irrevogável e irretratável, ao cargo de Líder do PT no Senado. Propagou a notícia aos quatro ventos, noticiou-a em blog na internet e até divulgou o horário em que faria um discurso no Senado, formalizando o ato.
Bastou um recado do presidente Lula, para Mercadante começar a amunhecar.
O triste final foi o insosso discurso no qual renunciou à renúncia, retratou o que era irretratável e revogou o que era irrevogável, segundo ele próprio afirmara.
O que teria provocado o vergonhoso recuo? Das duas, três! Recebeu um puxão de orelhas, lhe foi dada alguma coisa em troca, ou simplesmente acovardou-se?
Qualquer das três alternativas pode ser correta. Ou as três.
O que se viu foi o senador assomar à tribuna, com "o rabo entre as pernas", como dizem lá no Nordeste, cabisbaixo, pálido, quase macerado. Tentava se esconder por trás do bigode, que usa à moda dos canastrões de filmes mexicanos, e que ele imagina lhe imprime a imagem de homem sério e bravo. Não o é, a cena mostrou!
Tentando justificar o que seria injustificável, estivéssemos tratando com alguém com hombridade a preservar, na realidade o senador petista-paulista encenou uma paródia, mais próxima de uma chanchada do que de um épico consagrador.
O espetáculo circense demonstrou que não há credibilidade no que ele diz, o que, aliás, é o mais comum entre os políticos.
Há, apenas, uma ressalva. Nem todos são nivelados por baixo, de forma rasteira. Sobrevive o exemplo do senador Flávio Arns, do Paraná que, como exemplo para Mercadante e muitos outros, teve coragem de dizer, bem alto, que:
- "O PT jogou a ética no lixo e vai ter de achar outro caminho. Deu as costas ao povo, à sociedade e às bandeiras tão caras a tantas pessoas. Tenho vergonha de estar no PT".
Lamentavelmente, no caso do senador Mercadante, aplica-se o aforismo da abertura deste escrito, de forma deturpada:
- Ao rei tudo, até a honra!