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domingo, 18 de setembro de 2011

Lamentável falta de talento





Desempenhaste com elegância o ato de despir teus dois blocos de perna e teu peito compacto, desejado amante.



Molhada de min mesma, te vi vindo todo nu apaziguar-te na natureza de meu pedaço relvado que não apaziguaste.. Dividiste apenas meu corpo ao meio com teu talo.



Me debatendo em angústia, agüentei teus firmes movimentos tão sem ternura, sem a menor humildade. Procurei em mim alguma sensação que justificasse estar ali. Que nada. Consegui foi me sentir incômoda e machucada, tendo alívio quando acabaste de me regar com teu egoísmo.



Tentar te chamar a atenção para esse desperdício não valia a pena. Também nem daria tempo, tal era tua pressa pouco gentil em se vestir rápido, para, decerto, ir exercer em outro lugar outro momento de lamentável falta de talento.



Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Um prazer imenso - Contos eróticos masculinos




Este livro se propõe a apresentar uma coletânea de contos eróticos masculinos, isto é, escritos por homens. O que seria um texto erótico? Como diferenciá-lo de um texto pornográfico?


O próprio livro explica a diferença: "O pornográfico, com facilidade, leva o leitor à excitação. Mas não atua com a sua imaginação. Ele é cru, apenas relato, descrição, o uso de palavras que nomeiam atos e ações facilmente identificáveis.


O erótico pode ser também levar à excitação, mas estará trabalhando com a imaginação do leitor, com o sonho, com o irreal, com o desconhecido. O conto erótico é um prazer para o leitor, o prazer da leitura e da descoberta de revelações num texto literariamente trabalhado. Em que o escritor também vasculha o profundamente humano."


Ou ainda: "O pornográfico caminha por modelos impostos pelo social e é caricato. Já o erótico é poético, é vital, porque remete o indivíduo à procura de sua identidade."


Na minha avaliação, apenas três dos treze contos do livro conseguiram chegar ao patamar do conto erótico, ou seja, ao "prazer da leitura e da descoberta de revelações num texto literariamente trabalhado."


"Quero mulher, peço deferimento", de Deonísio da Silva, aborda de forma bem humorada a tentativa de resolução de problemas sexuais pela via burocrática em uma escola pública, com suas repercussões jurídicas.

"Suíte ensolarada", de Duílio Gomes, trata de um tema difícil - incesto - mas com final surpreendente. Deixe-se levar pelo texto, sem preconceitos.

"Babá", de Julio Cesar Monteiro Martins, descreve o despertar da sexualidade de um aposentado, de forma divertida e sensual.

Os outros contos são bons, mas, no meu entendimento, não chegam a ser contos eróticos, apenas tratam de sexo, casais, etc.


Melhor se saiu a Joyce Cavalccante em seu livro de contos eróticos "O Discurso da mulher absurda".


 José FRID

domingo, 19 de junho de 2011

Pelos seus direitos

E quando penso estar com as esperanças aposentadas, surpreendo meu corpo despudorado reabrindo suas fendas ao riso e ao prazer. Argumento com ele sobre a necessidade de se guardar e ele, sobre a urgência de se dar. Lembro-lhe a angústia de ficar esperando um toque de telefone ou de dedos. Sobre as discussões, as diferenças de opiniões. Aviso-lhe: convém esperar. O amor já foi um bom negócio. Falo, falo e me calo. Perco sempre e não tem jeito, quando esse meu corpo vira-lata está lutando pelos seus direitos.

Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

sábado, 18 de junho de 2011

Teu corpo

Tendo como matéria prima um anticorpo, elemento embutido, negado, estático, ferido e envergonhado ante as mais legítimas sensações, tento construir um outro corpo meu a partir do teu. Teu corpo que devasta o meu, templo de solidão há tanto tempo. Teu corpo invasor que me contenta e abastece. De mim e de meus direitos ao prazer, nada tenho a reivindicar se é contigo que desempenho o rito.


Tua pele me modifica a temperatura até o dia seguinte se eu tiver o cuidado de não tomar banho. Assim guardo teus cheiros, prolongando esse amor epidérmico.


Viva teu corpo de quadris estreitos feitos na forma masculina. E tua cintura ágil se movimentando via o teu gozo que provoca o meu, me banhando embaixo de ti sob a configuração de uma caverna estreita que, de propósito, estreitarei ainda mais para te surpreender e te fazer sorrir. Procurando e aprendendo a me achar, tateaste o corpo de muitas outras mulheres com teus dedos pianistas. Deposito, por isso, um beijo na tua barriga confortável, num gesto de quem faz um brinde à vida.


Que isso nunca acabe. Mas, quando acabar, vou fazer de travesseiro tua axila, gemendo suaves gemidos diferentes daqueles escandalosos, desesperados que, ainda há pouco, te obrigaram a me tapar a boca. Até que seu tórax bata num compasso mais ligeiro, mais ligeiro, mais ligeiro, não vou parar de me oferecer barulhenta. Porém, quando sentir que estás crescendo, ficando maior do que já estavas, me calarei. É hora de ficar quietinha pra te receber com solidariedade. Silêncio. É meu homem que está se decompondo num orgasmo absoluto.



Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Corpo independente do teu corpo

Tudo isso porque teu corpo não respondeu aos apelos do meu como de hábito. Aconteceu. Mistério masculino a respeito do qual, em nome do feminino, proponho rir.
Não fosse pelo teu aspecto mal-humurado, poderíamos, já que estamos nus, gastar o tempo, mapeando nossas sensações, descobrindo nossos bordados. Ou, quem sabe, um ou o outro poderia ir até a cozinha buscar mexilhões e cerveja, laranjas, tem tudo isso na geladeira. (Se eu pudesse te ensinar que há muito mais coisa a fazer numa cama do que ficar aprisionado aos caprichos de um falo.)
Se, por acaso, como um corpo independente do teu corpo, ele não quis obedecer, não vejo nisso nenhum defeito. Você sabe disso, eu sei. Mas pensa que eu talvez possa não pensar do mesmo jeito.


Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Eu seria bem menor se não tivesse tido coragem de ir às últimas conseqüências ...


XIII

Pensar que hoje eu seria bem menor se não tivesse tido coragem de ir às últimas conseqüências daquela esquina na qual encontrei e quis um homem desconhecido. Num dia, já era noite, e a noite sempre me faz mais solta, cruzamos olhares pela primeira vez. Só. Com timidez lhe convidei a entrar. Me sentei no seu colo dengosa; lhe fiz carinhos pelos cabelos beijando seu lábio entregue, demorando bastante, dando tempo para que nossas roupas sumissem como cortinas operadas por mãos invisíveis. Ele não gostava que eu lhe pusesse em mim. Preferia deixar seu corpo sozinho me tentar achar, e quando achar, pudesse o meu lhe agasalhar macio. Nada me deixou impaciente, nem seu sexo escorregando fora inadvertidamente, em plena emoção. Era uma questão de pele, e a partir da pele, nos conseguimos juntos.


Joyce Cavalccante in "LIVRE & OBJETO", livro de poemas em prosa


quarta-feira, 8 de junho de 2011

Não aprendi a brincar com a saudade

A claridade coada pela janela mal vedada me acordou primeiro. Já era dia seguinte de uma noite confusa de verão, tipo essas noites em que a proposta é gastar a juventude, esgotar a vida.
Do meu lado, dorme um homem coberto de sossego. Em dia com seu desejo. Bem em paz.
Me levanto da cama imitando pluma por não pretender perturbá-lo tão cedo. Escorrem de dentro do meu corpo seus resíduos como se fosse ele que estivesse fazendo uma carícia na forquilha de minhas coxas. Minha temperatura estranha o vento que vem da porta aberta para o mar, esse mar de euforia no qual ontem nadamos tanto até cairmos extenuados, empapuçados, entorpecidos, com um pouquinho de dor de cabeça e de consciência devido a uns excessos, coisa como ter ultrapassado o alvo. (Rimos de verdade, quando você apelidou o zíper de meu vestido de cinto de castidade.) Cubro agora minha nudez. Devo esperar que passe essa tepidez e somente estando menos enternecida vou chamá-lo.
Quero que ele pense que minha timidez é indiferença. Não tenho o direito de me expor a mais uma paixão, já que ainda não aprendi a brincar com a saudade.



Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

domingo, 5 de junho de 2011

Pura como se tivesse sido reciclada

Mesmo se dispondo de um companheiro inquestionável como você, gosto também de me brincar sozinha.
Basta que meu instinto peça e eu tenha tempo, me entranço em abrasivas fantasias, me tranco num cantinho solitário e calado para, com alegria, me desfrutar. Me toco, me provo com meus dedos, me afago por onde alcanço; avanço na sensação do sangue cheio de bolhas feito guaraná.
Quando pequena fazia, mas era sem calma e com certeza do pecado. Hoje em dia, quando descobri que todo mundo normal faz e que eu não sou mutilada, nada me impede de exercer essa aventura: torno-me, novamente, uma menina, apenas desprezando sua parte assustada.
Contar que muitas vezes te largo desocupado e viajo sozinha em explosões, cores, luzes, memórias, pretensões. Libero todas as  energias fortes; todo cansaço, tudo de ruim. Em seguida, me pareço com um lago. Calma como o diabo. Pura como se tivesse sido reciclada.

Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Aquela vida que deixarei escorrer ...

Apoiarei minha cabeça na sua coxa esquerda. Com as mãos em concha, imitando o gesto de quem colhe água, colherei o sexo deste rapaz que, hoje à noite, me convidou a dividir sua cama. Devo pousar os lábios num roçado leve, que deverá ser o mais leve. Mais ainda que o roçado conseguido por um inseto de asas transparentes, porque é tudo muito frágil: sua membrana e meus lábios. Farei com carinho. Espontaneamente. Ele nada precisará me sugerir. Minha gratificação será vê-lo fechar os olhos, apertadamente, antes de submergir, se escondendo de mim para tentar, em vão, transformar em eterno um momento tão perecível. Momento escuro, vulnerável e tão mais forte do que a própria vida, vida, vida, positivamente vida, como aquela vida que deixarei escorrer de minha boca, depois.


Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

sábado, 28 de maio de 2011

Um homem e uma mulher

Fui feita para acolher, como também podia não ser, ser de invadir que nem você. É por esse meio que se processa o mistério do amor e, meu amor, como isso deve ser levado a sério. É uma hora de recreio. Mas como eu tenho receio todas as vezes que se fecha a porta do quarto de ser menos sábia que você, ou de lhe ofender com minhas vontades, minhas fantasias, sabe, essas coisinhas que fazem da hora principal mais do que o normal. Tenho medo de pedir, de dar sem me medir na extensão da loucura bruta do momento de tensão, para depois explodir por cima ou por baixo. De gacho também. Como quem quer bem. Dizendo amém e fazendo de tudo para agradar. Me divido nas minhas informações absurdas e permaneço muda, nua e vestida de vergonhas sem aproveitar, esperando que você me avise que não é proibido amar. Só tem que você não me avisa e desliza cheio de carinhos calados. Com o corpo afiado de desejo, me penetra com gestos estudados, também apavorado com minha possível inclemência no dia seguinte se, por acaso, não lhe aprovar como um homem de requinte. Embora tudo isso, no meio do caminho nós nos deslocamos e fazemos tudo direitinho, porque não falta chão e, apesar desses defeitos, a gente tem direito de ser como é: um homem e uma mulher.




Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994