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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Saturação


No círculo que a xícara de café
deixa desenhado no pires,
o grão amargo do equívoco.
O olhar preso, a vida presa.
Ânsia que confrange os ossos.
Ninguém atura o risco do cerco.
Ninguém sai dele de mãos vazias.


Donizete Galvão in O Homem Inacabado (2010) 

sábado, 22 de fevereiro de 2014

VISITA


Que ela chegue sem clarins ou trombetas,
entre como facho de luz
pelas gretas da janela
e atravesse o quarto
na sua claridade.

Que ela chegue
inesperada,
como a chuva
na tarde calorenta
e faça subir o odor
de poeira molhada.

Que ela chegue
e se deite ao meu lado,
sem que a perceba.
Que me lave
com água de fonte
e me cubra
com o bálsamo branco
do silêncio.


Donizete Galvão in Mundo Mudo (2003)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Oração natural


Fique atento
ao ritmo,
aos movimentos
do peixe no anzol.
Fique atento
às falas
das pessoas
que só dizem
o necessário.
Fique atento
aos sulcos
de sal
de sua face.
Fique atento
aos frutos tardios
que pendem
da memória.
Fique atento
às raízes
que se trançam
em seu coração.
A atenção:
forma natural
de oração.
Donizete Galvão in Mundo Mudo (2003)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Miolo


Lembro-te mata,
tenda de folhas,
ninhal de minas,
casulo de sombras,
alcova de brotos,
renda de luzes,
vertigem de avencas,
friagem de sapos,
labirinto de cipós,
manto de limos,
frescor de cambraias,
grafias de cascas,
acridez de sumos,
açúcar de flores.
Recorro a todos os nomes
sem nunca recuperar
o frêmito de espanto,
o susto da criança
Inaugurando a mata.



Donizete Galvão in Ruminações (1999)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Milagre


Tem de haver um porto, uma praça,
um caramanchão de rosas brancas,
uma sombra. uma moringa d’água.

por certo, tem de haver uma pinguela,
um mata-burro, um canário da terra,
um fogão de lenha soltando fumaça.

deve haver numa curva um remanso,
ceva de pássaros, canto de seriema,
prata de peixes rio acima: piracema.

Donizete Galvão in A Carne e o Tempo (1997)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O GRITO


O porco guincha
E sob a pata dianteira
Sai a golfada de sangue
Que enche a bacia.
Horas depois,
Pronto o chouriço,
Comemos o sangue preto,
As tripas, o grito.


Donizete Galvão in "Alta Noite", Coleção Poesia  Viva, Centro Cultural São Paulo – CCSP, 2011