quarta-feira, 26 de março de 2008

Arrufos Metropolitanos - I



- Vou comprar bilhete, já volto.

Ela deu-lhe as costas tão rápido que não deu tempo para dizer que poderia usar o dele. Talvez ela quisesse comprar bilhetes para a semana toda, pensou. Ela saiu em direção às bilheterias, puxando uma imensa mala preta com rodinhas. Ele sorriu. Passara apenas uma semana fora, mas levara roupa suficiente para o mês inteiro.

Vestia a saia estampada com flores grandes e coloridas, na altura dos joelhos, que moldava bem seu belo corpo, um dos motivos da sua paixão por ela. Sentada, a saia se acomodava entre as pernas, gesto ao mesmo tempo pudico e sensual. Deitada, a saia cedia à sua mão e deixava-se levantar sem esforço.

A viagem dela mostrara que ele não conseguiria viver sem ela. Apalpou a caixinha no bolso esquerdo da calça, lado do coração. Tirou-a do bolso e a abriu. Lindo! Ela ficaria surpresa com o presente. Ele tinha suportado até quinta-feira, dias sem falar com ela (o celular não pega na fazenda, avisara), mas na sexta sucumbira ao imenso vazio provocado pela sua ausência.

A loja de alianças o atraiu ao passar pelo calçadão da Avenida São João. Quando deu por si já estava apreçando alianças e anéis de noivado no balcão da loja. As atendentes, além de atenciosas, eram bonitas e gostosas, deixando os homens, maioria dos clientes da loja, profundamente perturbados, sem saber se olhavam as jóias ou as vendedoras.

Eles, perturbados e indecisos perante tantas opções, acabavam perguntando a opinião das vendedoras que, conforme o treinamento recebido, escolhiam as jóias mais caras para colocar em seus próprios dedos e, colocando as mãos sobre os seios decotados, diziam:

- Ela vai adorar essa aqui! Olha como ficou bonito!!!

E eles olhavam as mãos, os seios, até os anéis. E lá iam os parvos enamorados fazer o crediário em dez vezes, um ótimo negócio, um investimento de futuro, como elas falavam segurando o braço do feliz comprador. Mas ele pensara que tinha comprado o anel porque estava realmente apaixonado, não pela lábia verbal e corporal da vendedora.

Ele guarda a caixinha rapidamente, preocupado que ela não a veja antes da hora. Olha em direção às bilheterias e a procura na fila, mas não consegue localizá-la. Há uma multidão recém-chegada de viagem atrás de bilhetes de metrô e de trem. Ela vai demorar. Ele não acha ruim, é o tempo necessário para se acalmar e decidir quando e onde irá pedi-la em noivado. Noivado. Sim, noivado. Nunca pensara que uma coisa tão antiga poderia ocorrer com ele. Nem acredita que isso irá acontecer agora, nunca tinha pensado em estabelecer um relacionamento mais sério com alguém. Mas a ausência dela naquela semana mostrou que ele não podia mais ficar sem ela.

Logo que a viu surgindo da escada rolante, teve vontade de pular as catracas, correr até ela, abraçá-la, erguê-la em seus braços, beijá-la, depois ajoelhar a seus pés, entregar o anel e pedi-la em casamento. Porém, antes que se mexesse, surgiu também a grande mala preta. Ao vê-la percebeu que as coisas não sairiam como desejado, ela não largaria a mala no corredor por nada e ele não conseguiria erguer as duas.

Entregaria o anel ali mesmo, logo depois dela passar na catraca? Olha ao redor, não é um lugar romântico, cheia de pessoas feias, apressadas, suadas, muitas malas, caixas, alto-falantes berrando mensagens à toda hora. Na casa dela? Não, os pais estariam presentes, ele não teria coragem. Num restaurante? Onde ele iria com ela e a mala? Na casa dele? Certamente hoje ela iria alegar que está cansada da viagem, quer ir direto para casa descansar. No metrô? O vagão do metrô seria uma boa opção. Ou melhor, o lugar perfeito, afinal foi em um deles que se conheceram, fizeram muitas viagens juntos, enamoraram-se. Eles entrariam no último carro, sentariam no banco dos fundos, como de costume, acomodariam a mala na lateral, o trem partiria, ele tiraria a caixinha do bolso e pediria para ela abrir. Quando a pedra do anel e os olhos dela brilhassem, ele diria aquelas palavras bonitas que tinha decorado, ela se emocionaria e, no fim da viagem, sairiam noivos do metrô. Noivos!

Ele novamente levanta os olhos e a procura na bilheteria. Não consegue enxergá-la. A estação Barra Funda do Metrô está lotada neste domingo fim de feriado. A fila continua grande, se enroscando pelo corredor. Vinte e três minutos. Está demorando mais que fila de banco em dia de pagamento. Ele olha as pessoas aglomeradas. Nenhuma está com a saia floral. Onde ela estará? Ele levanta-se e vai na direção das catracas. Anda de um lado para outro procurando enxergá-la no meio da multidão. Espicha a cabeça e nada. Ela pode ter saído da fila. Vê uma saia colorida oculta no meio da fila. Pensa que pode ser ela e acompanha seu movimento. A saia chega até a bilheteria, demora-se um pouco e sai em direção às catracas. Não é ela. Onde estará, se pergunta preocupado. Deve ter ido ao banheiro, certamente evitou usar o do ônibus, que sempre considera fedido e desconfortável.
Como ela é exigente quanto à banheiro, talvez não tenha ido nos sanitários da plataforma dos ônibus, que devem estar intragáveis com o movimento do feriado. Ele imagina que ela tenha procurado esse daqui de cima, mais escondido, que pode estar mais limpo, mais do seu agrado.

Ele se recorda de um desastroso encontro na São Bento. Estavam os dois a trabalho pelo centro da cidade e combinaram se encontrar na Praça do Patriarca, debaixo da enorme e horrorosa cúpula branca, para pegarem o Metrô juntos e namorarem um pouquinho. Ao passar pelo Largo do Café, viram as mesas dos bares espalhadas pelo calçadão, todos muito animados, música tocando alto. Como a noite estava quente, parecia que estavam numa região praieira, faltava só o cheiro de maresia. Olharam-se e, sem dizer nada, se dirigiram para a primeira mesa vaga. Essa sintonia de pensamento era outra coisa que fazia ele estar apaixonado por ela.

Sentaram ao lado de uma mesa grande onde se comemorava um aniversário, alunos de uma faculdade vizinha, muito barulho, mas com muito humor, o que divertia os dois. Ele pediu cerveja, ela queria provolone à milanesa, ele disse para ela olhar em volta, a precariedade do bar, e sugeriu que ela pedisse algo mais simples e menos comprometedor para a saúde. Ela concordou e pediram lascas de provolone simplesmente. Conversa vai, cerveja vem, ela perguntou para o garçom onde ficava o banheiro, "entre no bar, passe o balcão e desça as escadas, é lá no fundo", disse ele.

Ela voltou furiosa, pegou a bolsa e disse que o esperava no Metrô, que aquilo era um nojo. Ele tentou contê-la, alegando ter que chamar o garçom e pagar a conta, mas ela disse que não ficava nem mais um minuto. "Vamos acabar a cerveja e o queijo", disse ele. Ela retrucou que queria vomitar, estava com nojo do copo, do queijo, da cerveja e partiu. Outra coisa que o atraía nela: esses rompantes, essas decisões inabaláveis.

Alcançou-a na porta do Metrô, muito nervosa. Para acalmá-la entraram no Girondino e ele fez questão que ela fosse ao banheiro. Voltou maravilhada, dizendo que esse era um restaurante, não aquele nojo onde estiveram. Ela contou que teve que passar por baixo do balcão do bar, andar do lado da chapa que fazia frituras, andar pelo chão cheio de gordura, descer uma escada escura, entrar num corredor molhado por líquido desconhecido, passar pelas caixas de cervejas e entrar num banheiro imundo, com um líquido viscoso no chão, caso para denunciar à saúde pública. A noite rendeu dois sanduíches, alguns chopes, vários beijos e ela dormir na casa dele.

Ele se desloca para a lateral em frente aos banheiros. Não há como ela passar sem que a veja. Um olho nos sanitários, outro nas catracas. Entram e saem mulheres e nada de uma saia florida aparecer. E a mala, como ela iria entrar no banheiro com aquela mala enorme? Será que ela foi para outro lado, se pergunta. E se ela foi comer alguma coisa?

A praça de alimentação é do outro lado, depois da entrada dos trens, ele não consegue vê-la dali de dentro. "Mania besta de economia, a minha. Por que fui combinar esperar aqui nas catracas? Nessa ocasião especial eu deveria ir esperá-la na plataforma de desembarque. Levando flores, bombons e o anel."

Onde ela estará? O que houve com ela?

Não perca o próximo emocionante capítulo!!

José FRID

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