segunda-feira, 14 de julho de 2008

Ordem das palavras pode interferir no conteúdo da mensagem



Em uma prova aplicada pela Unicamp em 1997, propôs-se aos vestibulandos a leitura de duas cartas publicadas na imprensa: uma era o pedido de demissão do então ministro da Saúde, Adib Jatene, ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e a outra era a resposta.

Os trechos dessas cartas que aqui nos interessam estão reproduzidos abaixo:

"Repito a frase aprendida de Vossa Excelência: "A política não é a arte do possível. É a arte de tornar o possível necessário." (Adib Jatene)

"Exatamente porque acredito que é preciso tornar possível o necessário, apoiei a CPMF e fiz, junto consigo, os esforços para aumentar a dotação do Ministério da Saúde." (Fernando Henrique Cardoso)

Propõe a Unicamp a seguinte questão: "Pelo que se lê no primeiro parágrafo das duas cartas, Jatene teria aprendido com Fernando Henrique o conceito de política que procurou aplicar enquanto ministro, mas uma leitura atenta desses parágrafos aponta uma grande diferença. Explique essa diferença".

Segundo Jatene, a política é "a arte de tornar o possível necessário" e, segundo FHC, a política é "a arte de tornar possível o necessário". Tanto "possível" quanto "necessário" são adjetivos, mas, com a anteposição do artigo, podem tornar-se substantivos. Assim, o termo antecedido de artigo será o objeto direto de "tornar", ou seja, o alvo da transformação, enquanto o outro termo, que conservará sua condição de adjetivo, será o que a análise sintática denomina "predicativo do objeto", ou seja, o termo que expressará o estado ou a característica posterior do objeto (a condição adquirida após o processo de transformação).

A lição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é clara: segundo ele, é preciso detectar as necessidades da população e tornar possível o seu atendimento. No texto de Jatene, que afirma estar repetindo a frase aprendida de FHC, inverte-se o sentido da proposição. Segundo Jatene, é preciso fazer que aquilo que já é possível seja necessário - não soubéssemos nós que o autor da frase apenas se equivocou, poderíamos imaginar estar ele nos ensinando alguma lição maquiavélica de política.

É importante observar como a simples posição do artigo, nesse caso, pode alterar significativamente o conteúdo da mensagem.

Thaís Nicoleti

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