quinta-feira, 7 de agosto de 2008

ARRUFOS METROPOLITANOS - XV



Trabalha com afinco, mas o serviço não rende. Não consegue se concentrar no trabalho. Adriana de Paula, quem diria. Ou será Adriana de Paula Pimenta. Ou Pimenta de Paula. Por que ela escondeu o de Paula e falou o Pimenta? Será que ela acha o Pimenta mais bonito do que o Paula? Vai ver que o de Paula é do pai ou da mãe e ela evita para contrariá-lo. Típico dela. Ou será que ela inventou um Pimenta? Não, ela não chegaria a tanto. E dirige!! Como ela omitiu isso dele?

Quando erra pela terceira vez a mesma ficha desiste, dá por encerrado o dia, despede-se dos colegas e sai do escritório. Na rua sente que não quer ficar sozinho em casa ou ter que aturar o Gonçalves. Resolve andar para espairecer, se perder na multidão. Caminha pela Paulista no sentido do Paraíso. Indaga-se quanto ao que fazer. Deve ir no escritório dela pela manhã, forçar um encontro com ela? Seria o mais lógico, pôr a limpo a situação. Mas seria a melhor coisa a fazer? A coisa certa? Será que ela iria gostar de vê-lo no trabalho? Ela nunca tinha lhe chamado para o escritório. Será que ela tinha alguma razão? Ele também nunca a trouxe no escritório. Eles são dois esquisitos, conclui.

Afinal, ela queria ou não falar com ele? Queria, mas não podia? O que estava lhe impedindo? Trabalho? Celular? Pais? Pais não, a mãe tinha sido muito simpática. Ou na verdade ela estava o evitando? Por que fugia? Algo que ele teria feito? Quando? Não, não seria provável, eles se despediram entre abraços e beijos, jurando amor eterno.

Algo que aconteceu em Avaré? Como saberia, se não estava lá? Se fosse algo de lá, o que poderia fazer? Será que ela tinha arranjado outro? Retomado um amor de infância, um namorico adolescente? Até tudo bem, mas ele merecia uma explicação. Por que ela não falava com ele? Num caso assim, podia até entender que ela queria evitá-lo no domingo, não contar cara a cara, pois seria difícil explicar uma mudança tão rápido. Se fosse ao contrário, se ele é que tivesse de se explicar de um caso assim, provavelmente evitaria fazê-lo na rodoviária, com medo do escândalo que ela pudesse fazer, gritarias, tapas na cara, choros, etc.

Daria tempo para ela arranjar outro? Não que fosse impossível, já tinha acontecido com Gonçalves. A namorada tinha ido para o interior visitar a família e voltou noiva de um amigo de infância, vontade das duas famílias. Gonçalves ficou arrasado. Será que tinha acontecido com ele também?

De qualquer forma, na segunda, terça, já estaria na hora dela se explicar, responder suas ligações. Ele se recorda de quando terminou com uma namorada por carta. Sem coragem para terminar cara a cara, olho no olho. Aproveitou um feriado e a viagem dela para romper por escrito. Quando ela voltou, evitou-a por dois dias, até esfriar o caso. Depois conversou com ela, explicou tudo, disse que o problema estava com ele. Adriana não poderia fazer igual?

O que será que aconteceu? Não adianta, não conseguirá adivinhar. Melhor pensar positivo. Não houve nada, o celular descarregou na viagem, ficou carregando na segunda, hoje está funcionando, a mãe atendeu, tem um churrasco para ir no sábado, Adriana está em reunião na empresa, vai ligar de noite, só resta aguardar com tranqüilidade.

E a fuga da rodoviária? Como aconteceu? Qual a explicação? Pode ser que os pais fizeram uma surpresa e foram esperá-la na estação, o celular desligado, ela não teve como avisá-lo. É isso: pais na estação, bateria arriada, reunião na empresa, hoje ela liga. Ou no máximo amanhã. Só aguardar com paciência. E que fazer até lá? Fome e sede. Resolve comer algo na prainha da Paulista, um bar barulhento é tudo que precisa para esperar com paciência ela ligar. Quem sabe encontra um conhecido. Garçons conhece muitos.

O primeiro bar está lotado, o segundo também. Ele está se dirigindo ao terceiro quando escuta uma mulher gritando seu nome. Ele se vira em direção da voz: Carla! O que ela estaria fazendo tão longe de casa? Ela está com amigos, comemoram o nascimento do filho de uma amiga na maternidade Santa Catarina.

Ela apresenta Pedro Paulo como um amigo de Santos. Ele cumprimenta o pai fresco, que o convida para se juntar a eles. É uma turma grande e barulhenta, perfeita para ele esquecer suas preocupações. Ele senta do lado do homem, um chope aterrisa na sua frente. Tira-gostos lhe são oferecidos. A noite promete. Brindes constantes em homenagem ao pequeno ser, que deve estar sofrendo as dores da chegada ao novo mundo. Carla está junto com outras mulheres. Eles se olham, mas não conversam diretamente.

Ela se levanta para ir ao banheiro e convida algumas amigas que, como de costume, aceitam. Os homens riem e dizem que também vão convidar alguns para irem ao banheiro juntos. Ninguém quer ir, estão duvidando da masculinidade de alguém? Após longo período elas voltam barulhentas e sorridentes. Elas forçam um rearranjo nas cadeiras, Carla senta ao seu lado. A conversa recomeça animada, todos falando alto ao mesmo tempo. Carla conta que voltarão ainda hoje para Santos. "Vão de ônibus?" "Não, de carro." "Quem vai dirigir, se estão bebendo tanto?" "Os motoristas ainda não chegaram, estão no hospital com a mãe." Carla começa a dar detalhes do parto, da amiga, do quarto, do enxoval do bebê ...... Pedro Paulo finge interesse e bebe.

Adriana teve que ir com Ruth e o diretor gato comemorar as duas promoções. Um bar barulhento em Alphaville mesmo. Não houve jeito dela negar, agora fazia parte do staff e tinha que participar da roda social. A sua cabeça, entretanto, estava com a revelação do seu endereço para Pedro Paulo e do que deveria fazer com essa informação. Aproveita uma ida ao banheiro para ligar para ele do telefone público da sala de espera. Ele não atende e cai na caixa postal. O que dizer para deixar como recado? "Ligue para mim, te amo"? "Fui promovida, vamos comemorar"? Não dá. Ela desliga. Suspira e volta para enfrentar a megera e o gato, que parecem estar se entendendo bem demais.

Pedro Paulo interrompe a fala de Carla para atender o celular. Não reconhece o número, ligação a cobrar. Não atende e diz para ela que deve ser engano. Carla retoma a conversa, olhos nos olhos, mão na mão. Agora ela relembra o sábado que passaram juntos. Acabam se beijando, as pernas se cruzando por baixo da mesa, as mãos alisando corpos, mas tudo discretamente, pensam os dois. Ele se deixa envolver, esquece suas preocupações.

Os que vão dirigir chegam. Dizem que a mãe reclama a presença do pai desalmado, que a abandonou com aquele filho esfomeado e chorão. "Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação e do bebê chorão, diga ao povo que parto!" Ele sai sob intensos aplausos e apupos. Pedro Paulo tem dúvida se ele conseguirá atravessar a Paulista e achar o hospital. Ou acertar o quarto da mãe. As freiras vão ter trabalho nessa noite.

A turma se despede. Ele acompanha Carla até o estacionamento, promete ligar para ela, combina encontrá-la em Santos. Mais beijos e amassos de despedida. Ele pensa que está ficando igual ao irmão, um canalha de marca maior. Pensando em uma e saindo com outra. "Mas a outra está sumida! Que mal há em se distrair com outra enquanto ela não aparece?" Já esteve nessa semana mais tempo com Carla que com Adriana. O que isso significaria? Estaria esquecendo da namorada? Não, em hipótese nenhuma. Tinha o anel para provar.

Pronto. Adriana e as questões levantadas pelo seu sumiço voltam a perturbá-lo. Lembra, de repente, do carro de Adriana. Por que ela nunca lhe contara que tinha automóvel e dirigia? Que outras coisas esconderia dele? E por que esconderia? Namorados não deveriam saber tudo um do outro? Corpos e mentes nus? Pelo visto, Adriana só gostava de corpos nus!

Ele se recorda que ela nunca quis ir a Santos visitar a família dele. Por que? Sempre achou esse comportamento esquisito, mas nunca ligara, era oportunidade de sair com os amigos ou ver o Santos jogar em Vila Belmiro. Agora, depois da descoberta do carro, essa recusa já tinha outro significado. Qual? Ainda tinha de descobrir.

Onze e meia da noite, entrada do metrô, escada rolante à frente, uma multidão que saiu das escolas e cursinhos. E dos bares também. O movimento automático de descida provoca uma sensação de câmera lenta, cenário a passar por ele bem devagar. Um rosto se aproxima, em sentido contrário, repentinamente familiar. Traços delicados, cabelos compridos - presos? Um olhar, fração de segundo - e passa. Adriana? Não se vira, se for ela, o que dizer, se ainda está com o perfume da outra? Desejo contraditório de voltar, conferir se o vulto é mesmo o dela. Desiste. Caminha a passos largos, como se desse modo alcançasse mais rápido o dia de amanhã.

Ele sai do vagão sem vontade de ir para qualquer lugar. Permanece em pé vendo os trens passarem de um lado para o outro e vice-versa. Senta num banco da estação, um casal namora ao lado dele. Olha de soslaio para os dois. Sente inveja e saudades por não está ali com Adriana. Namoraram muito pelas estações do Metrô, até ali mesmo, naqueles bancos, com todo mundo olhando, quem sabe invejando também. O casal olha para ele como se inquirisse o que ele estava fazendo. Pedro Paulo desvia o olhar em direção aos trens, no vai e vem perpétuo.

Pimenta. Será mesmo o sobrenome dela? Que carro ela teria? Que outros mistérios ela guardaria? O sistema de som avisa que dentro de instantes a estação será fechada. O casal se arruma, pegam seus pertences e saem abraçados. Pedro Paulo vê aquela imagem romântica e decide: amanhã acampará na porta do escritório dela com anel e tudo. Não pode mais ficar assim nesse desespero. Será o dia "D": ou dá ou desce.


José FRID

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