Ainda com a poesia na mão, saudosa de um beijo blue, ela imediatamente liga no celular dele. Caixa Postal. Uma, duas três vezes. Por fim, como recado, lê rápido o poema da Ana Cristina César. Desliga enviando-lhe um beijo blue. Por onde anda esse moço? Jogou o celular fora? Perdeu? Foi assaltado? Por que não liga para ela? Nem recado está deixando mais! Help! Help me! Amassa o poema bem amassado. Joga a bolinha azul na xícara e observa o café empapando o papel azul. Agora parcialmente marrom. Totalmente marrom. Blue, brown, blue, Brown. Absorta, observa o papel inchar, estufar. Será que houve alguma coisa entre eles, que ela não saiba? A mãe tenha falado algo errado para ele? Por que ele não atende a sua ligação? Nem que seja para dizer que não pode atender, como sempre faz.
Ela é bruscamente retirada de seus devaneios pela voz do garçom inquirindo se ela quer mais alguma coisa. "Nada não, pode trazer a conta". Meio triste, abre a bolsa, tira o dinheiro e guarda o celular. Olha me volta. O relógio na parede da padaria mostra que ela está atrasada. Ela esquece tudo, Pedro Paulo, telefonemas não atendidos, mãe, tristeza – tá na hora!
O tempo urge. A ferrarinha rasga a Marginal, devora a Castelo, enfim Alphaville! Se tivesse de ir todo dia para lá, pediria demissão. Loucura perder tanto tempo no trânsito! Nada como ter um Metrô na mão. Casa – escritório – clientes – escritório – casa – casa do Pepê, tudo de Metrô. Beleza. A Ferrari na garagem. O carro dele em Santos. Seriam só para os fins de semana. Ou nas noitadas. Mas que também são de Metrô ou táxi. Podem beber tranqüilos, sem carro para atrapalhar. Na Paulista e adjacências. Tatuapé e arredores. Barra Funda e vizinhança. Preferências dele. Escolhas dela. Por falar nisso, cadê seu homem? Liga e nada. Seu amor foi abduzido?
Chega bem na hora do almoço festivo. Salão cheio. Está deslocada, sem referências. As pessoas agrupam-se conforme as novas amizades feitas nas palestras da manhã. Ela se acomoda numa mesa de canto. Comer, beber e dá no pé, é o plano. O diretor da Ruth vai de mesa em mesa fazendo o social. Agora é a vez dela. Ele vem conversar. Diz que não lhe viu nas palestras. Clientes para atender, responde. Ele a elogia, com tanta dedicação irá longe na empresa diz. Literalmente: a matriz é sueca. Tomara, ela fala, sorrindo. Que os deuses nórdicos ouçam suas palavras e as tornem realidade, complementa, gesticulando teatralmente. Agora é a vez dele sorrir e dizer que, se depender dele, todos estarão em breve na matriz. Missão cumprida, lá vai ele atrás de outra incauta. Ela olha ele se afastando contente e pensa se ele usou a mesma conversa com a Ruth. Uma onça na Suécia? Brota da mente dela a imagem da Ruth no meio da neve, só de calcinha estampada em onça, com o diretor nu correndo atrás dela. Essa idéia provoca-lhe risos, tantos que chega a engasgar.
Mastiga divagando. Deus me livre morar na Suécia. Outono e inverno no escuro total. Morrerá de depressão. Um verão chocho e uma primavera fria. Por outro lado, uma fartura de suecos, loiros, fortões, olhos azuis. Inverno frio e escuro aquecido por um viking não deve ser tão ruim assim. Quem sabe? Será que a Ruth aposta no deus nórdico? Mas, e quando tiver que sair da cama? Como será? Trabalhar no escuro, na neve, no frio glacial? As vantagens: do ventre sairão uma carrada de loirinhos!! Uma carrada? Lógico! Com tanto enrosco para se aquecer só pode dar nisso. Que lógica? Parece que a população de lá está encolhendo por falta de filhos. Ou não são chegados ou são muito controlados. Ou será que o frio é brochante? O diretor não correria nu atrás da Ruth?
Mas com ela do lado o frio não bloqueia a libido. Não surtiu esse efeito com Pedro Paulo em Cunha, Monte Verde, Itatiaia. Quanto mais frio, mais fogo nos dois. Em Avaré também. Não agora. Em tempos passados. Com outro. (Melhor esquecer disso agora. A semana passada já foi suficiente para enrolar tudo. Cidadezinha complicada!)
Ou seria ela o antídoto do frio? Seu calor derreteria até o Pólo Norte. O cara consegue cumprir com suas obrigações masculinas com ela até pelado numa lagoa congelada. Pimenta pura, como diz Pedro Paulo. Como comprovar a tese? Indo até a Suécia?
Será que não tem um sueco aqui mesmo em Alphaville? Pouparia o trabalho dela. Olha ao redor, mas não há nenhum viking disponível para se enrodilhar. Porque para ter filhos escandinavos não se precisa de suecos, dinamarqueses, noruegueses, basta encomendar esperma num banco especializado. Leu no jornal ou na Internet que o tal banco de vikings faz o maior sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Quem sabe ela poderia usar. Mas ia querer produto fresco: mandaria umas fotos suas ao natural para o fornecedor se animar pensando nela. Uma coisa muito romântica!
Quem sabe mandar também, junto com as fotos, um CD com a gravação dela cantando "Je t'aime mon amour", sussurrando sensualmente como a Jane Birkin. Pedro Paulo adorou! Quis gravar também, ele fazendo a parte do Serge Gainsbourg, mas o francês dele foi pavoroso. Ela imagina o doador em sua cabine, com as fotos dela numa mão, a outra naquilo, o potinho no chão, os sussurros dela enchendo o espaço ..... um calor! Precisa achar o Pedro Paulo rápido!!!
Com tantos pensamentos, o tempo passou rápido, 14 horas, tudo acabado, todos liberados. O pessoal precisa voltar para suas bases. Tem orçamento anual para fechar até sexta-feira. Festa, discursos, missão, mas o que importa é o faturamento. A programação da Saúde já está fechada. Ruth não deixa nada para a última hora. Vai longe a mulher. Quem sabe até a Suécia!
Tarde livre. Amanhã é o dia. Ruth sai, ela assume. Talvez só na segunda, a onça pode querer segurar o lugar até sexta-feira. De qualquer jeito, amanhã é o dia. A equipe vai comemorar. Alguns pela saída da Ruth, outros pela sua promoção. Falar nisso, precisa achar alguém para o seu lugar, senão as metas vão por água abaixo. Vai ser difícil achar uma pessoa tão competente como ela, modéstia à parte, com a sua garra. Mas isso já é missão dela mesma, Adriana superpoderosa. Poderosa?
Precisa caprichar no visual, aparentar seu poder. Mas sem calcinha de oncinha, por favor! E para as fotos da festinha de amanhã, que certamente serão tiradas, guardadas. Emolduradas. Tem que estar linda!! Fazer o cabelo, comprar roupas, maquiagem. Linda! Quem sabe ele queira ir com ela? Se ela conseguir achar o gajo ......
Liga para o celular de Pedro Paulo. Nada. Nada de novo. Nada pela terceira vez. Que houve com esse rapaz? Tomou doril? Está chateado com ela? Com a mãe? Não, com ela não, pois aceitou o convite do churrasco. Não liga, não atende, não deixa recado. Sumiu! Morreu? Não!
Precisa falar com ele de qualquer jeito! Sobre a mãe, o churrasco, os dois, o anel,, a promoção .... tantas coisas! Isso é hora dele sumir?
Liga no escritório dele. Está sempre em reunião, não pode atender. A velha barreira da secretária. Por isso, desde sempre se falam pelo celular. Desiste de Pedro Paulo. Vai à luta sem ele. Está livre, leve, solta. Precisa dar um up na vida. Xô tristeza! Carreira nova. Nova. Combina com cabelo novo. Começar por aí. Depois, roupas e sapatos. Tudo novo! Homem novo? Quem sabe? Vacilou, pode dançar!
15:12. Canta os pneus e estaciona à porta do salão.
- Vanderlei, dessa vez vim fazer barba, cabelo e bigode!
- Nossa! Sempre pensei que você fosse fêmea natural!
- Tá me estranhando, bicha? Sou muito mulher, quer ver?
- Deus me livre! Sai pra lá com essa periquita assanhada!
- Então tome tenência, homem!
- Também não precisa ofender.
- Ofender?
- Homem. Dou um duro danado para esconder .....
- Tá bom. Vamos ao que interessa. Quero um look novo, moderno, bonito, para arrasar. Pôr a turma de quatro!
- Que turma?
- Modo de dizer. Um arraso.
- E o mala? Cadê? Vai casar?
- Mala? Bem que você quer que eu largue aquela mala para você levar para casa!
- Eu, ein! Já tenho as minhas para com que me preocupar!
- É só uma festa, mas tenho que estar poderosa.
- Mas o que sucede para você estar aqui no meio da tarde? Foi demitida?
- Ao contrário! Promovidinha!!! Ou melhor, promovidaça!!! A festa é no escritório, para comemorar!
- Tá podendo, santa! Você precisa de um look tipo dominatrix. Tô até vendo você de chicote na mão, estalando no chão do escritório, pondo os escravos para trabalhar, todo mundo pulando miudinho ......
- Menos, menos. Bem que eu queria ter esse poder todo .... Mas não posso assustar os clientes, os diretores, a turma do escritório ......
- Tem que impor seu estilo.
- Eu sei, mas hoje não é assim. O pessoal ainda é muito conservador .....
- Olha, só até as seis da tarde. Depois, é uma bandalha só, os homens e seus demônios. Tenho cada história pra te contar ..
- Depois, agora preciso de um cabelo poderoso para funcionar no horário comercial. De homens e demônios já estou cheia!
- O tal de Pedro Paulo?
- Esse não. É um amor.
- São os piores!
- Você está é com inveja, não tem um bofe para chamar de seu.
- Inveja, eu? Nem morta! Não tenho esses sentimentos inferiores não. Saiba que, se eu quisesse, o cafofo estava lotado, mais de um por dia! A maioria casada!
- Já vi que a poderosa aqui é você. Homem não presta mesmo. Sabe que um diretor da firma ficou com a minha chefe numa noite e no outro dia já estava dando em cima de mim?
- Safado!
- Tudo igual!
- E por que escolhemos tanto?
- Sei lá! Vamos deixar eles para lá. Ao trabalho, que não tenho muito tempo. Ainda preciso passar no shopping para comprar uns paninhos novos.
- Você está certíssima. Astral lá em cima. Vamos colocar uma cor?
- Cor? Não tinha pensado, mas pode ser. Qual? Vermelho, azul, preto?
- Azul não! Nem sua mãe usa!
- Nem a vó!
- Vermelho pode ser. Ou um preto dominatrix
- Você tá com fixação em dominatrix! Que você fez ontem??
- Nada de mais, só o básico.
- Básico?
- Não posso dar detalhes!
- Nem quero saber. Você decide a cor!
- Que responsabilidade! Deixa eu pegar umas revistas para a gente ter idéias. Vai cortar também, não?
- Você é que manda. Se eu não gostar, não pago!
- Lá vem moda! Xá comigo. Deixa eu procurar um cabelo de poderosa. Um corte igual ao da Marília Gabriela?
- Não. Olha o tamanho dela! Não tem nada comigo. E o loiro dela é muito forte para mim.
- Esse corte no vermelho?
- Quem sabe ... veja algo em preto ...
- Aqui, ó. Bem preto, curto, prático. Você vai ficar linda!
- Muito curto. Não sei se estou preparado para esse preto todo! Algo mais claro um pouco?
- Fazer o seguinte: dou uma aparada nas pontas, escova, jogo umas luzes e vai ficar divino!
- Luzes?
- "Luzes Californianas"! Como está na revista: caputtino por baixo, luzes por cima e mechas cor de goiaba nos lados!
- E isso vai ficar bom?
- Vai arrasar!
- Manda ver então. Tô confiando em você, viu?
Horas depois, o bólido vermelho singra para o Center Norte. E agora? Vestido, terninho, conjunto saia e blusa, calça e blusa, exatamente o quê? Uma coisa é certa: cinza nunca mais!!!
Cor, muita cor na sua vida!!
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