Entre os pensadores mais influentes dos séculos 19 e 20, só Charles Darwin sobreviveu incólume ao teste do tempo. Os 200 anos de seu nascimento, comemorados nesta semana, encontram sua reputação em excelente forma. Com efeito, nunca foi tão válida a afirmação do grande evolucionista Theodosius Dobzhansky (1900-1975): "Nada em biologia faz sentido a não ser sob a luz da evolução".
A teoria darwiniana sofreu aperfeiçoamentos, mas seu cerne, a seleção natural, permanece intacto. O mecanismo foi exposto em obra clássica, "Origem das Espécies", que também faz aniversário (150 anos): a diversidade observável nos organismos é fruto da acumulação de incontáveis e discretas características hereditárias que tenham contribuído para a sobrevivência e a reprodução de seus portadores.
Outro pilar da teoria darwiniana: os milhões de espécies de plantas, animais e micro-organismos que vivem e já viveram sobre a Terra descendem todos de um ancestral comum, que surgiu há mais de 3 bilhões de anos. Durante um século e meio reuniram-se inúmeras comprovações empíricas desses princípios. A universalidade do DNA, a substância presente no núcleo das células portadora de hereditariedade, é só uma delas.
É uma ideia poderosa, em sua simplicidade. Os organismos não são como são em obediência a um desígnio superior. Ao contrário, sua diversificação resulta do entrechoque de eventos inteiramente naturais -sobretudo mutações genéticas e modificações no ambiente- ao longo de um tempo muito profundo.
Compreende-se que esse modo de encarar a biosfera torne problemáticas outras explicações para a miríade de formas que povoam o mundo, como as inspiradas na literalidade de textos religiosos. Apesar disso, é possível conciliar o mecanismo da seleção natural com a noção de um Deus que o tenha criado.
O próprio Darwin, ateu ou agnóstico, jamais fez de sua teoria uma arma antirreligião. Essa é a caricatura que dele se construiu nos últimos 150 anos. Deixar-se arrastar por ela não faz jus à grandiosidade de sua visão da vida, que está na raiz do enorme avanço da biologia nas últimas décadas e que tanto fez para dissipar ilusões sobre o lugar da espécie humana no universo.
(editorial Folha de São Paulo, 10/02/09)
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