Umberto Eco relata em Kant e o Ornitorrinco:
Quando Marco Polo se defronta, em Java, com animais nunca vistos (hoje, rinocerontes), realiza um esforço para identificá-los (e nomeá-los) consultando seu estoque de conhecimentos anterior: lançando mão de características de animais que já conhece e a partir das descrições disponíveis em sua cultura, tenta estabelecer relações e, por aproximação, classifica o novo a partir de referências existentes. Se de imediato identifica-os aos unicórnios - seu corpo, as quatro patas, um chifre acima do nariz, etc., - rapidamente verifica que a classificação feita não é inteiramente própria, uma vez que, nessa comparação, constata a existência de diferenças relativamente ao modelo anterior.
De fato, os animais que se lhe apresentam agora "não são brancos e ágeis, mas têm 'pêlo de búfalos e pés de elefantes', o chifre é negro e desgracioso, a língua espinhosa, a cabeça semelhante àquela de um javali: 'É uma besta muito feia de se ver. Não é, como se diz por aqui, que ela se deixe pegar como uma donzela, mas acontece ao contrário' (Milione 143, apud ECO, op.cit.). Tais características não condizem exatamente àquelas do unicórnio presentes em sua enciclopédia, motivo pelo qual precisa prosseguir na sua tentativa de classificação. Neste momento, deve tomar uma decisão: ou segmenta novamente o conteúdo sugerindo um novo animal, ou modifica a intensão dos unicórnios alterando sua descrição anterior para acomodar os novos animais.
De fato, os animais que se lhe apresentam agora "não são brancos e ágeis, mas têm 'pêlo de búfalos e pés de elefantes', o chifre é negro e desgracioso, a língua espinhosa, a cabeça semelhante àquela de um javali: 'É uma besta muito feia de se ver. Não é, como se diz por aqui, que ela se deixe pegar como uma donzela, mas acontece ao contrário' (Milione 143, apud ECO, op.cit.). Tais características não condizem exatamente àquelas do unicórnio presentes em sua enciclopédia, motivo pelo qual precisa prosseguir na sua tentativa de classificação. Neste momento, deve tomar uma decisão: ou segmenta novamente o conteúdo sugerindo um novo animal, ou modifica a intensão dos unicórnios alterando sua descrição anterior para acomodar os novos animais.
Mesmo assim, Marco Polo escreveu em seu diário que "havia visto um unicórnio", mas que "ele não era tão bonito como nos contos de fadas que conhecia. Ao contrário de ser branco, era cinza. Não era esguio, mas gordo. Ao invés de alto, era baixo".
Nunca tendo visto um rinoceronte, Marco Polo associou o rinoceronte à única imagem similar que a priori tinha conhecimento. A de um unicórnio. Ainda que esse ser a conhecer nada tivesse com aquele.
Para ele - como é para todos nós de forma geral, em maior ou menor grau - mais fácil foi associar o rinoceronte, até então desconhecido, a um animal já familiar (ainda que mitológico, só imaginado pelos contos de fadas e só visto em desenhos de livros infantis), do que reconhecer sua ignorância e, transpondo os obstáculos de seu conhecimento, reconhecer que estava frente a uma nova realidade que, querendo, poderia apreender.
Nenhum comentário:
Postar um comentário