segunda-feira, 2 de março de 2009

Uma estranha tatuagem


A moda entre os jovens – e também entre os não tão jovens assim - é tatuar o corpo. Vale em qualquer parte do corpo, pode ser de qualquer tipo, tamanho, cor ou forma. O importante é ela estar lá, visível ou não, e expressar a mensagem, o sentimento (ou a falta do que fazer) do(a) dono(a).


Nomes, flores, borboletas, golfinhos, dragões, corações, fotos, paisagens, ideogramas chineses ou japoneses, números, facas, machados, revólveres, caveiras, até pequenos textos, frases. Pretas, azuis, verdes, vermelhas, coloridíssimas. Simples ou complexas, pequeninas, medianas, grandes, enormes. No braço, no antebraço, na mão, nos dedos. No ombro, nas costas, no rego, nas coxas, nas pernas, nos pés. No rosto, na barriga, e lá onde não vemos, na frente e/ou atrás. Atrás da orelha, debaixo do cabelo.


Algumas delas são tão bem localizadas e suas donas tão formosas, que chego a sentir inveja do tatuador, o livre acesso que teve, conversa vem, conversa vai, os dois ali, ela sente uma dorzinha, ele consola ......

A última vez que uma tatuagem me surpreendeu foi com um rapaz com a cara toda tatuada, inclusive a careca, que estava com o filhinho no parquinho infantil do Parque da Aclimação. Cena bucólica, o pai empurrando o filho no balanço, as crianças ao redor, cães, o lago, as árvores, etc., se não fossem os adereços corporais paternais. Essa criança teria pesadelo ao sonhar com o pai?

Achei que nada mais me espantaria. Ledo engano. Hoje fui surpreendido novamente. Por uma pequena tatuagem, simples, num local adequado, unicolor.

Uma jovem mulher parada na plataforma da estação Vila Mariana do Metrô exibia no seu braço esquerdo uma pequena tatuagem, constituída simplesmente pela palavra "gay" acompanhada de uma seta apontando para trás. Só. Cor preta, escrita fina. Simples e direta. Mais ou menos assim:


GAY


Ela era mais ou menos alta, magra mas não muito, bonita mas não muito também. Entre dezesseis e vinte anos, mais ou menos. Sem maquiagem aparente. Estava com uma saia jeans simples, na altura dos joelhos, camiseta branca sem decote ou mangas, uma faixa de lenço dobrado segurando a franja, cabelos compridos, uma pequena revista na mão, parecendo uma daquelas com palavras cruzadas, o indefectível fone no ouvido, uma bolsa marrom de couro molengo. Calçava uma sandália aberta, solado não muito alto. Discreta, comportada, escutando seu ipod.

Para mim havia um total desencontro entre a pessoa e a tatuagem. O que significaria aquela tatuagem? Qual a mensagem a ser transmitida? A que tribo pertenceria a criatura?

Fiquei embatucado. Por que alguém tatuaria a palavra "gay" no braço? Seria gay de alegre ou gay de gay mesmo? Olhei para ela, de soslaio, na plataforma, e não vi sinais de tanta alegria assim. Imagino que uma pessoa que vá tatuar uma palavra alegre no seu braço, provavelmente usará roupas alegres, sapatos alegres, cabelos alegres, algo assim como um hippie das antigas, paz e amor, flores, etc.

Poderia expressar uma opção sexual, tipo orgulho gay? Observei a mulher, detida e discretamente, sem encontrar sinais de homossexualidade masculina. Percebi que isso era mero preconceito meu, pois gay poderia ser também uma mulher. Mas aí seria difícil detectar algum sinal, mulher disfarça melhor. Curioso, examinei detalhadamente a criatura, sorte a minha que ela estava entretida com a música e com a revista. Nem sinal de sapata ou sapatilha. Qual o mistério da tatuagem?

De qualquer jeito, por que uma pessoa tão discreta gravaria no braço, em local de ampla visibilidade, a sua opção sexual? E a seta, qual o sentido da seta? Uma seta apontando para trás. Para suas costas? Veio à minha cabeça um pensamento erótico, seria a seta de indicação de acesso ....... por que alguém indicaria publicamente isso?

Vasculhei meu arquivo mental de símbolos. Ali na plataforma só meu ocorreu a representação de caminho, de sentido obrigatório, qual placa de trânsito, ou o símbolo simplificado de Sagitário. Seria ela um/uma sagitariano(a) alegre? Epa, é o meu signo!

O trem chega com estrondo, retirando-me dos devaneios. Deixo a mulher entrar na minha frente para me permitir novas observações. Ela desloca-se como uma mulher se deslocaria, sem chamar qualquer atenção. Não usa perfume forte. O ipod está num volume adequado, as pessoas circundantes não conseguem discernir qual música embala a alegre criatura. Ela se dirige ao centro do vagão e se senta. O trem enche, perco-a de vista, sem chegar a alguma conclusão sobre a tatuagem.

Encosto na parede do trem e saco da bolsa o livro do dia. Abro na página marcada para continuar a leitura. Conto "Os sobreviventes", que o autor manda ler ao som de Ângela Ro-Ro. Trata da conversa entre um homem e uma mulher, amigos de anos, ele comunicando que está indo para o Sri Lanka, os dois revendo uma amizade nascida nos anos 60, os movimentos políticos, culturais, musicais, a frustrada relação sexual do casal, a descoberta da homossexualidade dos dois ..... próxima estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo, diz o motorneiro, tirando-me do fluxo da leitura.

Fecho o livro. Capa cheia de arranjos de frutinhas coloridas sobre folhinhas verdes, Caio Fernando Abreu, que morreu de Aids sem ser hemofílico .... se alguém me visse com aquele livro na mão poderia pensar que eu ... sei lá, esse povo é tão maledicente! O trem para na estação. Quem está bem na minha frente? A tatuagem. Sua dona está com uma caneta na mão e fecha a revista – Almanaque do Dr. ...... o trem abre as portas e ela sai. Caminha guardando a revista e a caneta na bolsa, pega a escada rolante e some de vista.

Por que fez aquela tatuagem? Qual o sentido dela? Alguém sabe?

Mais um mistério do povo da Sé!


José FRID


Leia mais contos e crônicas selecionadas clicando aqui!

Atualização em 2016:  As tatuagens dominaram os corpos! A moda agora é fazer tatuagens forrando um braço, uma perna, as costas....

8 comentários:

Anônimo disse...

Frid

Teria ela uma tatuagem na bunda?
Poderia ela querer ficar no teu corpo feito tatuagem?

Um estranho observador!
A entrada seria só por trás?
No futebol, entrada por trás é agressão.

Sua leitura atual e sua estranha "observação" registrada no texto encaminhado podem ser indicativas de algum momento pessoal especial? :)

Veja no link abaixo se vc identifica o símbolo tatuado...

http://www.arco-iris.org.br/_prt/dicas/c_dica_simbolo.php (Símbolos Gays, Lésbicos e Afins)

Procure, antes de observar os outros, se auto-observar... :)

Procure ver em quais tipos de comportamento abaixo vc se enquadra melhor atualmente...

Tipos de comportamentos:

1..Diante de uma barata:
Homem: - Se eu não estivesse descalço!
Mulher: - Socorro! Uma barata!
Gay: - Alô!!! É do Corpo de Bombeiros?...

2..Diante de um belo homem:
Homem: - É Gay!
Mulher: - É um deus!
Gay: - É meu!

3.. Diante de uma bela mulher:
Homem: - Gostosa!
Mulher: - Gorda!
Gay: -Traveca!

4.. Quando está amando:
Homem: - Peça o que você quiser.
Mulher: - Eu te amo.
Gay: - Como você reagiria se por acaso soubesse
que outro homem está gostando de você?

5.. Quando toma um banho de lama no acostamento:
Homem: - Puta que pariu!
Mulher: - Minha roupa!
Gay: - Minha produção!

6.. Ao ver uma partida de futebol:
Homem: - Que golaço!
Mulher: - Que saco!
Gay: - Que pernas!

7.. Quando estão mentindo:
Homem: - não fui eu!
Mulher: - Eu te amo!
Gay: - Foi ela!

8.. Quando são traídos:
Homem: - Eu não gostava mesmo de você!
Mulher: - Eu te odeio!
Gay: - Que tal nós três?!

9.. Quando estão chorando:
Homem: - Foi um cisco...
Mulher: - Buuuuááááá!!!!
Gay: - Foi o João Paulo...

10.. Quando levam uma cantada:
Homem: - Só se for agora!
Mulher: - Pode esperar sentado!
Gay: - Tem certeza que é comigo?

11.. Quando estão com muito dinheiro:
Homem: - Hoje eu pago tudo!
Mulher: - Hoje eu vou ao shopping!
Gay: - Hoje ele me come! / Hoje eu como ele!

12.. Quando vão ao cabeleireiro:
Homem: - Corta!
Mulher: - Apare só as pontas.
Gay: - Quero igualzinho ao dela!

13.. Quando querem acabar um relacionamento:
Homem: - Acabou.
Mulher: - Preciso de um tempo.
Gay: - Minha filha, eu sou gay!

14.. Quando acordam:
Homem: - Estou com fome!
Mulher: - Estou horrível!
Gay: - Onde estou?!

A.

Metamorfose Ambulante disse...

A.

Nada como falar com um entendido!! Até site GLBT o cara conhece!!

Pena que não ajudou: a palavra e a seta não constam da relação de símbolos.

A idéia, perdão, agora é sem acento, a ideia de ela ter tatuagem na bunda é factível: a seta indicaria a localização do complemento da tatuagem. Vou ver se encontro com ela no Metrô outra vez para verificar!

Fiquei preocupado com o teste: realmente o texto me enquadrou no item 3! Mais o livro do Caio Fernando Abreu .... sei não. Vou ter que fazer uma auto-análise!


Um bom dia calorento

FRID

Anônimo disse...

Essa foi muito boa. Adorei. Realmente intrigante.

D.

Anônimo disse...

Caro primo, você tem estilo... Essa crônica é realmente um retrato do bizarro do dia a dia (sem hífen ou com?). Adorei!

S.

Metamorfose Ambulante disse...

S.

Gostei que você tenha gostado!!

E devemos imaginar que ela tem a tatuagem porque quer: bizarro!

Um bom dia calorento!

FRID

Anônimo disse...

Talvez ela seja hetero na frente, portanto gosta de coisas comuns, papai e mamãe, coisas do gênero, e seja gay na parte de trás. Um gay homem a gente já imagina o que faça com sua parte de trás, mas uma gay mulher...
Talvez não a use. Ou talvez a use mais. Sei lá.

E.

Metamorfose Ambulante disse...

Uma bissexual?

Complicado, não?

Que raios de tatuagem é essa???

Vou parar de andar de metrô!!

Um bom dia calorento!

Frid

Anônimo disse...

Oi Frid, estou retribuindo sua visita e adorei esse post. Nem tanto pela tatuagem, mas pelo seu texto.

O bom de observar é esse devaneio que vem junto. Coisa boa pra qq um que pretende escrever - seja um livro ou seja um post.

Beijo
Liz