quarta-feira, 6 de maio de 2009

BANANAS PODRES 4 - Ferreira Gullar



É a escuridão que engendra o mel
ou o futuro clarão no paladar
(como quase luz
na saliva, e mais:
em alguma parte da vida
a escuridão
engendra
o olhar no corpo ansioso de abrir-se
à luz)

e o mel que
aflui da noite da polpa
(e feito
dessa noite) flui
do podre da polpa
da noite do podre
(sob a casca)
tal como um suicídio
ou um alarme ou
abafada rotação
nas moléculas
(e igual que
no cosmos cintila)
uma balbúrdia de ácidos
negros
inventando
um quase alvorecer na quitanda.

E pense bem: também
um tumor é um ponto intenso
da matéria viva,
de alta temperatura
como a gestar um astro
de pus
(assim se engendram os sóis,
os sons
no vazio abissal)

e assim também as vozes
do açúcar
(um negro
lampejo)
que assustam os mosquitos
(nuvens deles)
pairando no ar
dos escusos cantos
do depósito
de frutas
nos fundos da quitanda
rua da Alegria esquina de Afogados

e que faliu
e sumiu
para sempre
daquela esquina e do mundo, a quitanda,
bem como seu dono, o falado
Newton Ferreira e seus amigos Zé Dedão,
o Cantuária e o Elias,
todos
que poderiam afirmar
que sim, de fato as bananas
já estavam passadas, quase inteiramente podres
aquela tarde

e que ali amontoadas num alguidar
fermentavam
exalando no ar o doce odor
de bananas morrendo
o que efetivamente ocorreu
na cidade de São Luís do Maranhão
ao norte do Brasil
por volta de 1940...

E foda-se.




FERREIRA GULLAR nasceu em São Luís (MA), em setembro de 1930. É um dos principais poetas da literatura brasileira. Também se dedica à crônica e à crítica de artes plásticas. Em sua obra, destacam-se A luta corporal e Poema sujo.



(via Rascunho)

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