É a escuridão que engendra o mel ou o futuro clarão no paladar (como quase luz na saliva, e mais: em alguma parte da vida a escuridão engendra o olhar no corpo ansioso de abrir-se à luz) e o mel que aflui da noite da polpa (e feito dessa noite) flui do podre da polpa da noite do podre (sob a casca) tal como um suicídio ou um alarme ou abafada rotação nas moléculas (e igual que no cosmos cintila) uma balbúrdia de ácidos negros inventando um quase alvorecer na quitanda. E pense bem: também um tumor é um ponto intenso da matéria viva, de alta temperatura como a gestar um astro de pus (assim se engendram os sóis, os sons no vazio abissal) e assim também as vozes do açúcar (um negro lampejo) que assustam os mosquitos (nuvens deles) pairando no ar dos escusos cantos do depósito de frutas nos fundos da quitanda rua da Alegria esquina de Afogados e que faliu e sumiu para sempre daquela esquina e do mundo, a quitanda, bem como seu dono, o falado Newton Ferreira e seus amigos Zé Dedão, o Cantuária e o Elias, todos que poderiam afirmar que sim, de fato as bananas já estavam passadas, quase inteiramente podres aquela tarde e que ali amontoadas num alguidar fermentavam exalando no ar o doce odor de bananas morrendo o que efetivamente ocorreu na cidade de São Luís do Maranhão ao norte do Brasil por volta de 1940... E foda-se. FERREIRA GULLAR nasceu em São Luís (MA), em setembro de 1930. É um dos principais poetas da literatura brasileira. Também se dedica à crônica e à crítica de artes plásticas. Em sua obra, destacam-se A luta corporal e Poema sujo. (via Rascunho) |
quarta-feira, 6 de maio de 2009
BANANAS PODRES 4 - Ferreira Gullar
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