A estátua
No mar estava escrita uma cidade.
Carlos Drummond de Andrade
Ser estátua
não é pedido que se faça.
E ele nem pediu.
No banco de pedra, de costas pro mar,
pensa a cidade.
Acolhe pombos e aves agourentas.
No meio-dia branco de luz,
o menino permanece sozinho.
O homem atrás dos óculos
quer a sombra de amendoeiras.
Tem oitenta por cento de ferro na alma.
Cem por cento de bronze na eternidade.
o menino permanece sozinho.
O homem atrás dos óculos
quer a sombra de amendoeiras.
Tem oitenta por cento de ferro na alma.
Cem por cento de bronze na eternidade.
Alguns anos viveu no Rio de Janeiro,
serviu à cidade
que agora de nada lhe serve.
Ao povo sem memória,
a história mais bonita,
comprida história que não acaba mais.
Dívida
Armando Freitas Filho
Pelo menos neste poema, não quero.
Mas como evitá-lo? Como esquecê-lo
se a sua imagem é onipresente?
Lá está, sentado, de pernas cruzadas,
as costas pro mar de Copacabana.
O hábito de sofrer que o divertia,
era doce lembrança itabirana.
Já não sofre nem se diverte mais.
Agora estátua, apenas bronze frio,
o banco de pedra é quase um altar.
As crianças o tratam como santo.
Indecisos, adultos se dividem:
alguns adoram, vândalos aviltam.
No poema de Armando, Drummond é Deus.
Eu acredito. É Deus, está escrito.
AUGUSTO SÉRGIO BASTOS in "rascunho - o jornal de literatura do Brasil"
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