quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Peregrinações ao passado


Há muitas coisas que não conseguimos evocar e que, entretanto, somos capazes de reconhecer. Mas nem sempre esses reconhecimento nos restitui o calor do passado. Este último nos toca porque é passado. Mas é também por isso que, com tanta frequência, ele nos decepciona: nós o vivemos como um presente rico de futuro para o qual ele se lançava; só resta dele um esqueleto. É o que torna tão vãs as peregrinações. Com bastante frequência nos é impossível reencontrar o vestígio de nossos passos. O espaço volta a assumir as traições do tempo: os lugares mudam. Mas mesmo os que aparentemente permaneceram intactos não o são mais, para mim. Posso passear em certas ruas de Uzerche, de Marselha, de Ruão. Reconhecerei as pedras dessas cidades, mas não reencontrarei meus projetos, meus desejos, meus medos: não me reencontrarei. E se evoco nesses lugares uma cena de outrora, ela está ali espetada como uma borboleta numa caixa. Os personagens não vão mais a lugar nenhum. Suas relações estão atingidas pela inércia. E quanto a mim, não espero mais nada.


Simone de Beauvoir in "A velhice"

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