REALISMO
o cão
se decompõe
na sarjeta
dos ossos
o sol expõe
o óbvio
sem vestígio
um registro
um papel
absorve os borrões do branco.
Moacir Amâncio in Ata (Record, 2007)
O CÃO DE OLHOS AMARELOS
Numa cova de sombra, um cão,
na calçada de um bar gemia.
Numa cova de sombra, um cão,
na calçada de um bar gemia.
Era um cão de olhos amarelos
com uns tons de urina boiando
pelo ferro podre das órbitas.
com uns tons de urina boiando
pelo ferro podre das órbitas.
Jupy já não ia catar
o que os outros cães procuravam
nas lixeiras cheias de vômito
o que os outros cães procuravam
nas lixeiras cheias de vômito
mas, sua presença de sombra
era tão densa na calçada,
que as outras sombras tropeçavam
era tão densa na calçada,
que as outras sombras tropeçavam.
Esse cão de olhos amarelos
sequer foi ligeira lembrança
ou herdeiro de um ossuário
sequer foi ligeira lembrança
ou herdeiro de um ossuário
Jupy, com seus olhos de pus
novo, ou abstratíssimo ouro,
vivia a ser o chato cão
novo, ou abstratíssimo ouro,
vivia a ser o chato cão.
Um chão de pedras portuguesas
manchadas de catarro grosso.
Agora, vêm sujá-lo as botas
manchadas de catarro grosso.
Agora, vêm sujá-lo as botas
de algum fiscal da prefeitura,
que o leva no laço, enforcando-o,
sem um latido de protesto,
que o leva no laço, enforcando-o,
sem um latido de protesto.
Alberto da Cunha Melo in "O cão de olhos amarelos e outros poemas inéditos" (A Girafa, 2006)
Nenhum comentário:
Postar um comentário