quarta-feira, 17 de março de 2010

Selva de pedra paulistana


Avenida Paulista, quarta-feira, 18:40 no meu relógio. Os da avenida marcam, cada um, a hora que mais lhe apraz naquele momento. Um até admite dias de 46 horas, sonho de muitos dos workaholic da região. O tráfego rasteja na larga e longa avenida dos prédios altos. Não há buzinas, todos resignados com o progresso.

Temperatura? Num relógio está infernal, no outro, glacial. Estimo uns 21 graus, acreditando na previsão da meteorologia da televisão. Friozinho pós-chuva.

O calçadão novo ainda está úmido das últimas águas. O povo sai dos edifícios em busca da condução para casa ou escola – como se estuda à noite em São Paulo!, dos cinemas, dos teatros, das lanchonetes, e até de uma cervejinha, por que não?

Os bares estão ali mesmo, tentando cooptar os passantes para suas mesas. Antes elas ficavam junto aos prédios, sob as marquises. Agora não, liberou geral, elas vão até quase a pista dos carros. Os pedestres cortam o mar de mesas e cadeiras como um Moisés moderno. Em vez de egípcios, têm que enfrentar os garçons e os freqüentadores em busca dos banheiros.

Paulista quase esquina com a Manoel da Nóbrega. Banca de jornal, grelha do Metrô exalando seu bafo quente e ecoando os silvos dos trens, as mesas à beira-pista. Estão vazias, deve ser a hora. Nem todas. Aquela primeira, rente ao caminho da multidão, eu no meio, está ocupada por uma mulher. Blusa listrada de manga comprida, azul e branca. Argentina? Não muito brejeira para tal. Paulista. Casaco na cadeira ao lado, hoje foi um dia normal de quatro estações.

Ela está só. Ela, uma garrafa grande de Skol e um copo. Só? Fala ao celular, ri muito, convida, dá o endereço do bar. Só? Por quanto tempo?

19:30. Passo de volta a caminho do Metrô. Agora as mesas à beira-pista estão todas ocupadas. Na da listrada agora são duas garrafas de Skol, dois copos e duas mulheres ao celular, falando, rindo, olhando. Para quem passa, para os que estão sentados ali perto. Mais alguém chegará?

Na mesa ao lado direito das moças, quatro rapazes, quatro copos, quatro celulares e várias Skols. Tigres à caça. Falam, riem, olham para elas. Duas para quatro dá jogo? Quem sabe? Mas parece que falta foco. Deles, delas.

Na mesa em frente às mulheres, um homem, uma Skol, um copo. Celular? Não visível. Uma raposa solitária. Ele não fala, mas sorri e olha. E como olha. Para uma, para outra, para as duas. Um para duas dá liga? Em querendo, dá. Será que agüenta? A idade dele parece ser maior que a soma das delas. Preconceito?

Um garçom chega com uma porção de batatas e outra Skol. O homem oferece batatas a elas. Nota-se que ele é do tempo da Blitz. Elas sorriem e agradecem. Ele enche o copo e brinda na direção delas. Elas riem, levantam seus copos e retribuem o brinde. Ele mantém o foco, elas ainda estão desatentas.

Um dos rapazes levanta-se e senta à mesa das duas. Agitação no pedaço. Todos em volta observam o ataque. O jovem tigre e as gazelas. Ele fala qualquer coisa, elas riem. Mas algumas palavras, risadinhas. Mais outras falas, sorrisos amarelos.

O jovem tigre procura apoio no grupo. Mas são animais da cidade, desunidos. Zombam do pobre gato fracassado, que retorna à mesa cabisbaixo. Vira o copo com cerveja quente e traça novos planos de conquista com a turma. Não são mais tigres, hienas agora.

A raposa prateada espreita. Sabe que na selva de pedra paulistana, quando tigres atacam em bando, sempre sobra carne para a raposa. A brejeira Argentina ficou encantada com o ataque do tigre, acompanhando com o olhar o retorno dele aos amigos. Então o foco agora do raposão é a outra.

"Vamos trocar sal por batatas?" A morena ri alto do papo-aranha e passa o saleiro para ele. "Você quer comer na sua ou na minha?" Outra risada da morena, que aproxima sua cadeira da mesa do homem. Ponto para a raposa.

O tigre volta calibrado por outra Skol. Está muito espirituoso, arranca risadas da moça. Os amigos esperam que ele abra o caminho para pegarem as duas. Não veem a outra comendo batatas.

Do fluxo de pedestres se destacam dois ursos engravatados. "Oi, Miriam. Carla. Demoramos?" Beijinhos. Elas apresentam os machos uns para os outros. Quatro homens sem graça. Melhor dizendo, sete, pois na outra mesa três tigres murcham, decepcionados.

Elas, o centro das atenções. Senhoras da situação. Na selva paulistana, as gazelas sabem que são elas que fazem o jogo.                     Mais alguém chegará?

5 comentários:

Anônimo disse...

E aí meu primo?

Vejo que a Laura está forçando você a se tornar um exímio escritor do cotidiano paulista à medida que ela cobra explicações, através de relatório circunstanciado, para os seus atrasos (rsrsrsrsrs).

Abraços,

H.

PS: moral da história: “Toco de mulher nos outros é inspiração” (variação de “pimenta nos olhos dos outros é refresco”).

Metamorfose Ambulante disse...

Sou caseiro!!

Não tem nada de relatório para mulher não!

FRID

Metamorfose Ambulante disse...

Parabéns, muito legal mesmo!
P.

Anônimo disse...

Quer dizer q o senhor vive também à caça pela, como dizem os mais antigos, a
mais paulista das avenidas...
E como vai de caminhadas etc...etc..

Z.

Metamorfose Ambulante disse...

Não sou caçador: apenas observador da cena paulistana.

Resultado das caminhadas!!

FRID