quinta-feira, 20 de maio de 2010

Meu primeiro Dia das Mães



Sim, meu primeiro Dia das Mães, pois não há mãe sem filho. Nosso primeiro, pois sou o primogênito. A primeira vez a gente não esquece, apregoa o anúncio do sutiã, mas eu, nos meus cinco meses, não lembro de nada. Será que ela guardou alguma lembrança?

Dias atrás, indo ao Rio de Janeiro para passar mais um gostoso Dia das Mães, verifiquei que aquele seria o nosso .........gésimo terceiro Dia das Mães (não menciono a dezena para não ser deserdado por ela, que ainda não definiu que idade terá esse ano). Como teria sido o nosso primeiro Dia das Mães, lá nos longíssimos anos ...... (mesmo motivo)?

Só para situar temporalmente aquele dia, o Cristo já reinava no Corcovado, mas os Zepelins há muito não cruzavam os céus cariocas. Pelé e Zagallo já jogavam, mas Zico e Romário não. Elizeth Cardoso já cantava, Caetano Veloso, Tim Maia, Roberto e Erasmo também, mas só a primeira fazia sucesso. A Globo não existia, mas a Tupi era sucesso.


Esse meu primeiro foi no dia 11 de maio. Domingo que deve ter começado cedo. Meus pais sempre disseram que eu era um bebê chorão e guloso. Logo, devo ter acordado já de manhãzinha berrando atrás da mamadeira e de fraldas limpas. A babá deveria estar de folga. E eu com isso? Quero mamar!!


Mas domingo não é dia de acordar cedo. Devo ter chorado bastante até aparecer alguém para tomar as devidas providências. Quem teria sido? Mamãe, como seria de esperar, ou papai, em especial deferência pelo Dia das Mães? "Querida, hoje é Dia das Mães, durma mais um pouco que eu cuido do garoto. Você merece descansar." Como não lembro, e olha que sou o mais novo dos três, vamos assumir o possível cavalheirismo do papai.


Era uma manhã de outono que, mesmo no Rio de Janeiro, deveria estar friorenta. Ele, depois de proferir aquelas românticas palavras, provavelmente coroadas com um terno beijo na face de mamãe, joga o lençol e o cobertor para o lado e levanta-se. Sente o ar gelado e imediatamente se arrepende da gentileza desnecessária, pois já comprou o presente do Dia das Mães. Tem vontade de voltar para a cama, mas promessa é dívida e o garoto não para de berrar.


Resignado, sai do quarto em direção ao banheiro para as abluções matinais, maldizendo o vento encanado do corredor e fechando a porta do quarto para reduzir o meu barulho. Sabe que sem mamadeira não há acordo comigo. Reza para que o som do meu choro não chegue aos ouvidos da minha avó e de minhas tias. Não quer escutar mais reclamações sobre a criação do filho.


Passado um tempo que não sei mensurar, mas rouco de tanto berrar, eis que vejo surgir no meu quarto um galante senhor empunhando uma enorme mamadeira. Alegria, alegria. Mamado, trocado, devo ter ficado quieto, pois nunca fui de chorar de barriga cheia.


Ele deve ter voltado para a cama, onde mamãe continuava no meio das cobertas, meias grossas nos pés. Sabe que pode dormir mais um pouco, pois a mamadeira foi engrossada. Eu vou ficar quieto até quase o meio dia, distraído olhando o móbile oscilar conforme a brisa, segurando os pés e tentando saboreá-los.


Depois de aragem para levantar um avião, muitas tentativas infrutíferas de chupar meu dedão do pé, vejo por fim minha mãe à beira do berço. Está linda, como sempre. Capricho no sorriso como soubesse que esse é o nosso primeiro Dia das Mães. Logicamente ela se derrete toda, quem resiste a uma carinha fofinha e risonha? Pega-me no colo e balança-me com todo o carinho. O dia promete!


Eu tinha dificuldade de falar, mas sorri um belo "Feliz Dia das Mães" e ela entendeu. Dei umas risadinhas gostosas, como são as dos bebês de todos os tempos, e toquei sua face, olhos, nariz, brincos. Ela se derreteu toda novamente? Com certeza, é mãe. Nesses momentos elas sentem que as dores do parto estão sendo recompensadas.


Papai pode ter visto a cena e aproveitado para dar-lhe o presente do Dia das Mães. Caprichou? Não sei, não me lembro. Ele certamente não me perguntou sobre o que eu gostaria de dar para a minha mãe. Pensou que eu era apenas um bebê e ainda por cima mudo. Ledo engano. Eu tinha a resposta na ponta da língua: bananas!!


Na minha curta vida já tinha percebido o interesse muito especial da minha mãe por bananas, grandes, pequenas, prata, ouro, d'água, nanica, maçã, ... Por que não pensei nisso para o presente deste ano? Podia ter dado uma bela penca embrulhada em papel prateado e encimado por um grande laço vermelho. Uma boa sugestão para 2011, não?


Naquele tempo não havia a moda de levar as mães para almoçar fora, enfrentando longas filas e mal atendimento. Elas faziam questão de receber com mesas fartas seus filhos, netos, genros, noras e demais agregados, tudo preparado em casa mesmo, por elas e suas secretárias. Assim, a mãe de mamãe e a mãe do papai estavam nos esperando. Como agradar às duas? Almoço com uma, lanche, jantar com a outra.


Por conta da festa, no sábado mamãe deve ter ido ao salão fazer o cabelo e as unhas. Qual a cor do cabelo nesse dia? Claro? Escuro? Longo? Curto? Não importa. Para os homens da casa, eu e papai, uma Marta Rocha melhorada!


Mas ela deve ter demorado muiiittto para se aprontar no domingo, decidir com que roupa ir, exasperando meu pai. Ele ficou pronto rapidamente: calça, camisa, jaqueta e sapatos. Um pente nos cabelos negros e pronto. Será que papai passou gumex? Era moda! Eu continuei com o móbile e os pés, mas preocupado com a barriga que esvaziava. Cadê minha babá??


Quem me arrumou para a festa? Descobri neste último Dia das Mães que meus pais não eram muito habilidosos em lidar com bebês, em especial dar banho naquele ser todo mole, que não senta, não fica parado e se afoga fácil. Como estava frio, toalhinhas úmidas deve ter sido suficiente. Talquinho, camadas de roupinhas de bebê, sapatinho e toquinha para coroar o boneco.


Agora descemos do terceiro para o primeiro andar. Mamãe quis morar perto da mãe, afinal era seu primeiro filho. Vou no colo dela dando gritinhos, animado por passear. Papai atrás, sofrendo com o enorme carrinho de bebê (ainda não existia carrinho dobrável, tipo guarda-chuva) e a mala com meus apetrechos.


Apertei a campainha. Quem abriu a porta? A vovó? Beijou, cheirou, apertou, tentei pegar seus brincos. Minha madrinha? Abraçou, beijou, ninou, quase alcancei os óculos. A tia caçula? Mais abraços, beijos, puxei seus cabelos. A tia grávida com barrigão? Essa não, mal podia andar. Recebeu-me sentada no sofá, beijou, abraçou, apertou, fez cosquinha. Ela sabe como agradar uma criança, já teve dois!


O rei entre as mulheres! O centro das atenções! Nem imaginava que meu reinado estava prestes a acabar. Achava graça na barriga da tia, mas não via o perigo: daí a um mês nasceria outro primo lindinho e fofinho, terminando com meu curto reinado. O dele também não seria muito longo, pois minha mãe já estava grávida ou ficaria nesta noite. Mas por que pensar nisso? Naquele dia eu era o único de colo, lindão, fofão, bom de apertar e beijar.


Estão faltando duas tias: a sempre atrasada, que mora longe e está trazendo o bacalhau, e a outra que brinca de médica, apalpa a minha barriga, escuta meus pulmões, espeta agulhas. Os homens estão na saleta, bebendo cerveja e discutindo futebol. A Copa do Mundo vai começar em menos de um mês, o Brasil só fala nisso (que nem hoje, não?). Não tem Dunga, mas tem Feola. Ele soube escolher os jogadores do escrete canarinho? Pelé, Garrincha, Vavá, Bellini, Didi ...


Não sento, não ando, mas passeio a casa toda de colo em colo. Tento pegar o lustre da sala, mexer nos quadros, ir para o chão. Pelas janelas da sala vejo o corredor lateral do edifício e Seu Francisco varrendo o chão, segurando a vassoura com uma só mão, e parando para conversar com cada pessoa que aparece. Puxo o cordão da cortina e levam-me para a cozinha. Sinto os aromas da comida sendo preparada. Será que minha papinha já está pronta? Vou até o quintal ver as plantas e os passarinhos nas gaiolas. Passa por mim um garotinho correndo à toda, gritando gol. Irmão do que está para nascer. Levam-me para os quartos. Da janela do quarto da vovó vejo os carros, ônibus e bondes passarem. Quando o sinal fecha, dá para escutar a arara da quitanda da esquina gritar seu próprio nome. Já tentei puxar sua pena e quase levei uma bicada.


De volta à sala, paro nos braços de papai. Quero mexer no copo de cerveja, no pratinho de azeitonas e tremoços. Ele levanta-se comigo e vai até a janela da saleta, sempre conversando com meus tios: Nilton Santos, Zagallo, Mazzola, Pepe, ... Dou uns gritinhos concordando com a escalação. Pela janela vejo a grande mangueira da casa vizinha e seu Francisco ainda tentando varrer o quintal.


Uma princesinha quer me segurar. Só se estiver sentada no sofá, dizem. Lá vou eu mudando de colo. Ela segura-me com cuidado, tem experiência com bonecas. Cheirosa. Tento pegar sua "maria chiquinha" com uma florzinha rosa. A mãe dela vem ajudá-la a controle aquele boneco que não fica quieto.


A campainha toca. Agitação. É a minha tia do bacalhau, o tio do bigode e duas crianças grandes. A menina vem direto brincar comigo, ela também gosta de bonecas. Cheirosa e lindinha também. Ela distrai-se e puxo seu rabo de cavalo. Ela grita e a mãe vem ajudar. Ganho beijocas na barriga e largo os cabelos da menina. Uma bela negociação.


O menino grande, com uma bola na mão, nem olha para mim, do alto dos seus quase seis anos. O primo serelepe de quase um ano está admirado com a bola colorida. Os dois entendem-se e começam a chutá-la pela casa. Batem nos móveis e logo são instados a irem para o corredor lateral onde Seu Francisco entra no jogo, abandonando de vez a vassoura e o montinho de folhas secas.


Minha tia vem me dar comida. Como tudo, quero mais, sujo todo o babador, a roupa, até minha tia. Um suquinho cai bem. Agora vou para o quarto. Trocam minhas fraldas e roupas. Depois me colocam no carrinho, chupeta, ursinho, cobertor, um beijinho e caio no sono. Que dura pouco. Os dois pestinhas tinham se cansado da bola e exploram a casa da vovó. No quarto escuro derrubaram algo barulhento. Acordei assustado e chorando, fazendo jus à fama. Logo aparece alguém que me retira do carrinho, põe-me no colo e nina-me, cantando baixinho. Quem resiste? Embarco nos braços de Morfeu até a hora da mamadeira.


Agora é mamãe que me assiste. Colo bom, esse da mamãe. Papai quer ir agora na casa da minha outra avó. Mamãe, dengosa, diz que é melhor que a criança não pegue vento, que ela está passando mal, comeu muito bacalhau, etc. e tal. Meu santo pai, que conhece a peça que tem em casa, não insiste e parte. Fico ali escutando a conversa, as despedidas, a noite caindo e adormeço no colo de mamãe, que se ajeita no sofá e cochila também. Vovó vem e nos cobre com uma manta. Que mais poderemos querer no nosso primeiro Dia das Mães?


3 comentários:

Beth disse...

Muito bom!!
Adorei, quase consegui ver sua carinha.

Metamorfose Ambulante disse...

A carinha tá quase igual, se eu tirar os óculos!!

Metamorfose Ambulante disse...

Breve o sexagésimo Dia das Mães!