quinta-feira, 17 de junho de 2010

Almoço com o pai



O caminhão parado no calçadão da Álvares Penteado chama a minha atenção. O que estará fazendo ali? Será uma obra? Limpeza da rua? Mudança? Prossigo, noto muitos homens em grupos pelas ruas, falando alto, gesticulando muito. Há um clima tenso na região. Será que estão perseguindo os camelôs?


Passo ao lado do veículo. Muitas tranqueiras dentro da carroceria, alguns homens também, em cima da boléia. Vestem-se de forma comum, jeans, camisas, tênis ou sapatos. Mendigos não são. Fiscais ou camelôs?


Sigo pela rua até a esquina. Aproxima-se um homem com uma criança. O homem está agitado, olhando para os lados. Será um camelô que teve suas coisas apreendidas ou ele é o fiscal que as está confiscando?


Eles param próximos a mim. O homem se parece com os do caminhão. O menino está vestido como um "homenzinho". É pequeno, bem pequeno, cabeça grande (ou é o cabelo raspado que assim faz parecer?), olhos grandes. Segura a mão do homem, que deve ser seu pai. O garoto está feliz, sinto. Os olhos brilham, está atento a tudo que ocorre. "Estou com meu pai, na cidade, no seu trabalho, tenho orgulho disso, estou bonito, de roupa nova, igual a do meu pai. Vou almoçar no McDonald's com ele."


O homem grita e gesticula para as pessoas no caminhão, a cerca de 50 metros, que respondem. Não entendo o que falam. O pai faz menção de retornar pela rua quando percebe o menino ao seu lado e para. O filho olha para ele. Está assustado com a agitação do pai. Não entende o que está ocorrendo. "Por que papai soltou a minha mão? Onde ele vai? Quem são aqueles homens?"


O pai olha para o menino que o observa, percebe sua fragilidade. Não poderá prosseguir com a criança, pensa. Coça a cabeça e grita para o pessoal do caminhão levar o garoto com eles, que os encontrará mais tarde, na Regional. Eles fazem um sinal de positivo e gesticulam pedindo pressa. O homem curva-se um pouco e diz ao filho que vá para o caminhão, pois tem que trabalhar e não pode levá-lo. Aponta para o veículo e suavemente empurra o filho naquela direção.


O menino não se mexe. "O que será que papai quer? Por que aponta para o caminhão lá longe? Por que ele está me empurrando? Não quer ficar comigo? O que eu fiz de errado?" O pai insiste. Acocorado, tenta explicar a situação para a criança:


- Filho, está vendo aquele caminhão grande e bonito? É dos amigos do papai. Eles vão levar você para passear enquanto eu vou resolver um problema. Daqui a pouco vou estar com você para a gente almoçar.


O menino permanece estático. Noto que está com medo. Quase chorando, tenta argumentar com o pai:

- Pai, não quero andar de caminhão. Quero trabalhar com você. Vamos almoçar no McDonald's.
- Pare de bobagem, garoto. Já disse, são meus amigos. Você vai gostar de andar de caminhão. Ele está cheio de balas, doces, brinquedos. Pode pegar tudo que você quiser.
- Pai, não quero ficar sozinho. Pai, deixa eu ir com você, eu não atrapalho...


O homem interrompe a criança com um cascudo e grita:


- Pare de encher, menino. Assim não trago mais você comigo......
- Estou com medo, papai.


O pai perde a paciência:


- Pare com isso, vá logo!. Quer apanhar mais? Já disse que não vou deixar você sozinho, eles são meus amigos. Vá logo! O caminhão vai partir.


Outro tapa nos fundilhos. O homem empurra o menino na direção do veículo. Os homens no caminhão gritam, dizem que não podem esperar. O menino começa a andar. Noto que chora.  Será a palmada ou a separação? Ou ambos? Ele olha o caminhão. "Está muito longe, será que consigo chegar lá? Papai não vem comigo?".


O homem grita incentivando, ameaçando o filho. O menino anda mais rápido. "Papai vai me bater se eu não for para o caminhão. Eles são amigos do papai. Lá está cheio de balas e brinquedos", tenta se convencer.


O motor do caminhão é ligado e faz um grande estardalhaço. O menino espanta-se com o barulho e a fumaça do veículo. Sem parar, olha para trás e não vê seu pai. "Papai me deixou sozinho!?" O garoto abre ainda mais os olhos e tenta correr mais, quase cai. Os homens no caminhão incentivam o menino a correr. Ele se apruma e continua. "Não posso deixar papai triste. Ele confia em mim. Não quero ficar aqui sozinho."


O caminhão começa a andar lentamente. O garoto consegue alcançar o veículo e é alçado para dentro pelos braços.


- Moleque, parabéns. Você conseguiu.
- Rápido que nem o pai. Tem tudo para ser fiscal como o pai.


O menino abre um grande sorriso. Não há elogio melhor. O homem pega um doce apreendido e oferece para o menino:


- Você não está com fome? Quer um?
- Quero não, tio. Vou almoçar com papai!


José FRID


2/1998

5 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns!

P.

Anônimo disse...

Frid

Achei esta crônica muito triste ...

N.

Metamorfose Ambulante disse...

Não era para ser. O filho está esperançoso e feliz em almoçar com o pai.

Frid

Anônimo disse...

Pode não ter sido a intenção do autor (rsrsrsss...), mas para mim passou sim tristeza ao leitor. A decepção daquele menino ...

N.

Metamorfose Ambulante disse...

Esse é o problema da comunicação: fazer a mensagem do emissor chegar intacta no receptor.

Naquela crônica do vernissage deixei um gancho que considerei o ponto alto do texto, acreditando que ele iria gerar polêmicas e com elas novas crônicas. O gancho foi totalmente ignorado pelos leitores!!

Comentaram tudo, menos o gancho!

Mas o leitor está sempre certo!

Buenas noches!