quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Zoológico ou fast-food?



Manaus, doze horas de domingo. Julho, alto verão amazônico, calor infernal. CIGS, um zoológico cuidado pelo Batalhão de Selva do Exército. Muitos animais, informa uma placa, vieram do combate ao tráfico de animais silvestres ou de cativeiros ilegais. Cuidam deles para a devolução aos seus habitat naturais.



Uma enorme estátua de onça-pintada empinada recepciona os visitantes. Uma arara multicolorida recobre um orelhão. Fotos e mais fotos de turistas com eles. O soldado que recolhe os ingressos indica uma trilha lateral que leva direto ao alojamento da mascote do batalhão, uma onça. Sugere que depois sigamos pelas várias alamedas, admirando os diversos espécimes de animais, até chegar ao grande anfiteatro das onças de várias espécies.


Ordem dada, tarefa cumprida, decepção inicial: a onça-pintada não está visível. Deve estar dormindo por conta do calor ou da lauta refeição, quiçá os dois. Os turistas estão decepcionados. Um dos visitantes diz que está vendo-a deitada no fundo da jaula. Não discordo, mas só vejo sombras, que não se parecem nem um pouco com o garboso animal que numa foto aparece desfilando com o batalhão.


Os turistas dão-se por satisfeitos, pois o tempo urge, a barriga ronca. Na área em frente está mais animado: os cágados e jabotis estão à mostra, percorrendo vigorosamente o cercado atrás de sol, água, comida e um papo amistoso com algum colega. Os visitantes tentam identificar cada espécie através das placas espalhadas na mureta do cercado, mas é difícil, pois as diferenças são pequenas e os animais, já adultos, exibem cascos desgastados ou em muda.


Entretanto, nem todos estão interessados nos nomes científicos dos animais, áreas de origem, etc. Alguns apenas avaliam as suas possibilidades gastronômicas. Um casal jovem ao meu lado discute sobre a melhor forma de saborear um jaboti: na sopa, conforme prepara a avó do rapaz, ou num sarapatel, como outro dia ofereceu o pai da moça. Fico horrorizado com os dois, imagina comer esses simpáticos bichinhos de andar vagaroso e mandíbulas fortes.


Afasto-me do carnívoro casal e sigo pelas alamedas das aves, muitas de grande porte. Elas são mais fáceis de identificar pelas plaquetas, pois apresentam portes e cores bem distintas. Evito os outros visitantes, em especial aqueles com tipos físicos locais, pois não quero escutar alguém falar em ovos fritos ou galetos. Entretanto, eu nem precisaria preocupar-me com isso, pois os gaviões e águias impõem respeito aos visitantes; os urubus e outros carniceiros causam nojo; os periquitos e passarinhos, alegria; as araras, quem vai querer comer arara?



No recanto das cobras relaxo. Aqui não é a China, esses bichos repugnantes estão salvos. Elas estão tranquilas, ignorando solenemente os visitantes. Uma descansa sobre os galhos da árvore, parece que tem complexo de passarinho. Duas ao sol, uma cruza o lago só com a cabeça fora d'água. Face à desanimação geral dos animais, a platéia brinca de localizá-los. Aquilo é cobra ou é só a pele da muda? Pele. E lá na pedra? Cobra. Aquela bola é uma gigante? Não, duas enroladas. O pau é cobra? Só vendo mexer. Minutos preciosos escoando. Dureza observar ofídios durante o dia, só sendo muito zen. É pau, diz o ligeirinho que vai embora. Os que ficam, muitos minutos depois, veem o pau se mexer: é cobra! O garotinho fica contente com a surpresa e pergunta para mãe:


- Ela come a gente?
- Come, precisa ter cuidado ao andar no mato.
- Nós come ela?
- Come, meu filho.


O menino faz cara de nojo. Quem será que come aquilo? Desconfia da mãe.

 
- Come, pai?
- Come. É gostoso. Você já comeu (o menino arregala os olhos). Lembra da festa no sítio do tio Neco? Tinha churrasco de cobra. Você experimentou e gostou.
- Eu?


O garoto faz cara de quem vai vomitar. Hora de ver outros bichos!

 
Não adianta. Em cada cercado, uma especialidade gastronômica amazônica. No tanque dos jacarés aprendo com um grupo de jovens que o rabo em filés é a melhor parte. Uma mulher gorda adora ensopado de preguiça! Um velhinho conta para os filhos e netos que comeu muito macaco nos bons tempos, carne deliciosa, a sopa de miolos é ainda melhor! Porcos selvagens, antas, veados, cutias, pacas, tatus, todos passam pelas bocas salivante dos visitantes. Penso com meus botões: se o Exército bobear, o povo transforma o zoológico em churrascaria!


A turma só acalma quando se depara com a imensa jaula das onças. A área está dividida em grandes módulos, cada um com lago, mata, árvores, etc. e seu felino. Uma passarela permite que os visitantes passem por cima delas, ao ar livre. Os olhares profundos das feras impõem respeito, ninguém pensa em come-las. Muitos especulam sobre o resultado de encontrar um deles cara a cara na floresta. Ou cair da passarela. Com o calor siderúrgico reinante, ninguém pensa em casaco de peles. Sorte das onças (amarelas, pardas, pintadas, pretas), jaguatiricas, suçuaranas, pumas.



Como o passeio abre o apetite dos visitantes, na saída estão os restaurantes e as lanchonetes que, infelizmente, só servem animais domesticados e peixes: boi, galinha, porco, peru, chester (isso lá é bicho?), tambaqui, pirarucu, pintado.


Eu não quis nada, estava sensível por ver o povo querer comer os lindos bichinhos do zoológico. Saí de lá e fui visitar o novo shopping da cidade, pertinho do CIGS, programa recomendado por todos os manauaras. Logo já eram quatro e tanto. O sentimento, o vínculo afetivo com os animais não resistiu à fome negra e aos aromas da carne: Eu e minha filha dividimos um tambaqui grelhado, minha mulher e meu filho um filé à parmegiana. C'est la vie!


José FRID


2 comentários:

Anônimo disse...

Toda vez que vamos a aquários (eu adoro aquários), eu fico imaginado se o bichinho daquele tanque é bom de comer.
Minha filha Letícia até já advinha, quando chega num tanque primeiro que eu, se aquele bicho eu vou gostar ou não.
Tartarugas (cágados, jabotis, sei lá) são a minha tentação.

E.

Metamorfose Ambulante disse...

Selvagem!! Não tem pena dos pobres dos animalzinhos???