segunda-feira, 28 de março de 2011

Ferreira Gullar e seu gato - 4 poemas



Para Magali, Rosinha, Duque e Drago





Nem aí




Indiferente

ao suposto prestígio literário

e ao trabalho

do poeta

à difícil faina

a que se entrega para

inventar o dizível,

sobe à mesa

o gatinho

se espreguiça

e deita-se e

adormece

em cima do poema






Flagrante




O meu gato

na cadeira

se coça




corto papéis coloridos na sala

e os colo num caderno




a manhã clara canta na janela




estou eterno





Anoitecer em outubro




A noite cai, chove manso lá fora

meu gato dorme

enrodilhado

na cadeira




Num dia qualquer

não existirá mais

nenhum de nós dois

para ouvir

nesta sala

a chuva que eventualmente caia

sobre as calçadas da rua Duvivier





A Estrela




Gatinho, meu amigo,

fazes ideia do que seja uma estrela?




Dizem que todo este nosso imenso planeta

coberto de oceanos e montanhas

é menos que um grão de poeira

se comparado a uma delas




Estrelas são explosões nucleares em cadeia

numa sucessão que dura bilhões de anos




O mesmo que a eternidade




Não obstante, Gatinho, confesso

que pouco me importa

quanto dura uma estrela




Importa-me quanto duras tu,

querido amigo,

e esses teus olhos azul-safira

com que me fitas





Ferreira Gullar in "Em alguma parte alguma" – José Olympio Editora, 2010




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