domingo, 27 de março de 2011

Um supermercado na Califórnia




Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,
enquanto caminhava pelas ruas sob as árvores, com dor de
cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.

No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping das imagens, entrei no supermercado das frutas de néon sonhando com tuas enumerações!

Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras fazendo
suas compras a noite! Corredores cheios de maridos!
Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! - e você,
Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?


Eu o vi Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares para os garotos da mercearia.

Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles; Quem matou as
costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Será você meu
Anjo?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o
e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.

Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso
passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos
petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.


Aonde vamos, Walt Whitman? As portas fecharão em uma
hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite?

(Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e sinto-me absurdo)

Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores
somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas,
ficaremos ambos sós.

Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor,
passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando
para nosso silencioso chalé?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário professor
de coragem, qual América era a sua quando Caronte parou
de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta, olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes?


Allen Ginsberg in "Uivo, Kaddish e outros poemas", L&PM, tradução de Claudio Willer

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