segunda-feira, 25 de abril de 2011

A questão



Como decidir do desejo?
Algum padrão diz do que
e de quanto vive?

Ele vive do que deseja?
É uma necessidade?
Subsiste no fundo do tempo?

Faz-se num minuto? Morre
no outro? Perdura uma existência inteira?
O desejo que não desejamos,

refreá-lo como? Respiramos.
Há interromper-lhe o passo?
O desejo nos ouve?

É cego? É doido? O desejo vê
mais que tudo? São os nossos
os seus olhos? Se os fechamos,

ele finda? Quem pôs o desejo em nós?
Onde está posto? E onde não?
Penetra o sonho, o trabalho, infiltra

nos livros, no óbvio, nos óculos,
na cervical, na segunda-feira e os versos
não sabem outro tema.

Há quem não deseje?
Tudo o que vive deseja?
Faça-se o exercício: não desejar,

por um mês, uma semana,
um dia. O desejo fabrica-se
de nenhum aval? Ele não teme?

Não receia o sal à face da razão?
Não teme a dor, decerto, que dela
parece, por vezes, primo-irmão.

E perguntamos, perplexos. O desejo
é uma forma oblíqua de alegria? Brinca
conosco? Mas, brincarmos com ele,

ai de nós, é de seus truques
o mais fatal. Morremos de desejo?
Com ele removemos pedras?

Por ele removemos montanhas?
Pode o desejo mover o não?
(O não: esta seta o mata?

Ou esta farpa fomenta o que nele nos ultrapassa
e que, sem nome nem fim, não desistirá
senão quando tudo morto em nós?)

Química tão secreta,
não vale a pena qualquer pesquisa,
uma pluma, este poema.



Eucanaã Ferraz in "Rua do mundo", Companhia das Letras, 2004.


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3 comentários:

Anônimo disse...

Olá...

Poesia, cara do cidadão...

"Desejamos tudo e ao mesmo tempo desejamos nada"

Boa semana...
Regina

Anônimo disse...

muito bom!

M.

Metamorfose Ambulante disse...

Ou desejamos preguiçosamente, sem ação e desejo verdadeiro!

Boa semana!

Frid