segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sítio





O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopéia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
_ mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia a dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:


O menino brincando na varanda.

Dizem que ele não percebeu.
De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto: - Pai!
acho que um bicho me mordeu!  assim

que a bala varou sua cabeça?


Cláudia Roquette-Pinto in Margem de manobra, 2005

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei.
MD.

Anônimo disse...

URRRAAAA , MEU AMIGO FRID !

QUE TRÁGICO !!!!!

ABRAÇOS, G.

Metamorfose Ambulante disse...

Trágico não, real como Realengo!

Frid