sábado, 28 de maio de 2011

Um homem e uma mulher

Fui feita para acolher, como também podia não ser, ser de invadir que nem você. É por esse meio que se processa o mistério do amor e, meu amor, como isso deve ser levado a sério. É uma hora de recreio. Mas como eu tenho receio todas as vezes que se fecha a porta do quarto de ser menos sábia que você, ou de lhe ofender com minhas vontades, minhas fantasias, sabe, essas coisinhas que fazem da hora principal mais do que o normal. Tenho medo de pedir, de dar sem me medir na extensão da loucura bruta do momento de tensão, para depois explodir por cima ou por baixo. De gacho também. Como quem quer bem. Dizendo amém e fazendo de tudo para agradar. Me divido nas minhas informações absurdas e permaneço muda, nua e vestida de vergonhas sem aproveitar, esperando que você me avise que não é proibido amar. Só tem que você não me avisa e desliza cheio de carinhos calados. Com o corpo afiado de desejo, me penetra com gestos estudados, também apavorado com minha possível inclemência no dia seguinte se, por acaso, não lhe aprovar como um homem de requinte. Embora tudo isso, no meio do caminho nós nos deslocamos e fazemos tudo direitinho, porque não falta chão e, apesar desses defeitos, a gente tem direito de ser como é: um homem e uma mulher.




Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

Nenhum comentário: