quarta-feira, 8 de junho de 2011

Não aprendi a brincar com a saudade

A claridade coada pela janela mal vedada me acordou primeiro. Já era dia seguinte de uma noite confusa de verão, tipo essas noites em que a proposta é gastar a juventude, esgotar a vida.
Do meu lado, dorme um homem coberto de sossego. Em dia com seu desejo. Bem em paz.
Me levanto da cama imitando pluma por não pretender perturbá-lo tão cedo. Escorrem de dentro do meu corpo seus resíduos como se fosse ele que estivesse fazendo uma carícia na forquilha de minhas coxas. Minha temperatura estranha o vento que vem da porta aberta para o mar, esse mar de euforia no qual ontem nadamos tanto até cairmos extenuados, empapuçados, entorpecidos, com um pouquinho de dor de cabeça e de consciência devido a uns excessos, coisa como ter ultrapassado o alvo. (Rimos de verdade, quando você apelidou o zíper de meu vestido de cinto de castidade.) Cubro agora minha nudez. Devo esperar que passe essa tepidez e somente estando menos enternecida vou chamá-lo.
Quero que ele pense que minha timidez é indiferença. Não tenho o direito de me expor a mais uma paixão, já que ainda não aprendi a brincar com a saudade.



Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

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