domingo, 5 de junho de 2011

Pura como se tivesse sido reciclada

Mesmo se dispondo de um companheiro inquestionável como você, gosto também de me brincar sozinha.
Basta que meu instinto peça e eu tenha tempo, me entranço em abrasivas fantasias, me tranco num cantinho solitário e calado para, com alegria, me desfrutar. Me toco, me provo com meus dedos, me afago por onde alcanço; avanço na sensação do sangue cheio de bolhas feito guaraná.
Quando pequena fazia, mas era sem calma e com certeza do pecado. Hoje em dia, quando descobri que todo mundo normal faz e que eu não sou mutilada, nada me impede de exercer essa aventura: torno-me, novamente, uma menina, apenas desprezando sua parte assustada.
Contar que muitas vezes te largo desocupado e viajo sozinha em explosões, cores, luzes, memórias, pretensões. Libero todas as  energias fortes; todo cansaço, tudo de ruim. Em seguida, me pareço com um lago. Calma como o diabo. Pura como se tivesse sido reciclada.

Joyce Cavalccante in "O Discurso da Mulher Absurda", Editora Maltese, 1994

Nenhum comentário: