segunda-feira, 18 de julho de 2011

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?


Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?


Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.


Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.


Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade in Antologia Poética, Record, 28ª edição, 1992

9 comentários:

Metamorfose Ambulante disse...

O concreto e o abstrato amor retratado de Drummond.

Muito bom!

Henrique

Metamorfose Ambulante disse...

O homem entendia do verso. E de amar!

Frid

Anônimo disse...

Drumond é Drumond!!!!!
Que maravilha começar a semana com ele....
Abraços,
Fátima

Metamorfose Ambulante disse...

Adaptando Drummond para sua realidade:

Que pode uma criatura ruiva senão,
entre criaturas, amar?

Boa semana!!

Frid

Anônimo disse...

UAUUUUUUUUUU!
Amei a frase. Pode ir para meu face?

Metamorfose Ambulante disse...

Yes, you can!

Anônimo disse...

Adoro as segundas-feiras
bjs

Anônimo disse...

E eu acho que o seu "segunda é dia de poesia" é o seu amor ao mundo. Tô certa?

Boa semana.
Beth

Metamorfose Ambulante disse...

Também!!

Tirando o amor, o que sobra?

Frid