- Vou até a trilha da Elis Regina, tiro uma foto e volto logo.
Sigo pela alameda sombreada, enquanto ela desce o pequeno barranco em direção ao gramado e às árvores sob as quais esperará meu retorno. A alameda asfaltada serpenteia em um pequeno bosque, rasgado de tempos em tempos por quiosques com churrasqueiras, onde famílias ou grupos de amigos desfrutam do ensolarado e quente domingo de fim de inverno. Apesar de ir a Curitiba quase todo ano para a Maratona, há muito não ia ao Parque Barigui, por ser retirado do centro da cidade. A recordação que ficara da única visita era de um lugar bem arborizado, em volta de um grande lago, com belas trilhas sob mata fechada, com nomes de artistas, inclusive o da Elis. O caminho, para minha surpresa, desemboca numa grande avenida com tráfego pesado. Minhas recordações estariam equivocadas? Um guarda controla o acesso de veículos à alameda.
- Por favor, o parque acaba aqui?
- Não, tem outra parte ali em frente, com rio, ponte, chaminé ...
- Trilhas no bosque?
- É, as trilhas ..., diz ele, olhando-me de cima a baixo, surpreso com minha pergunta. Você entra ali em frente, passa pela ponte e chega no bosque...
- Muito obrigado!
Foi como se entrasse em outro parque. No primeiro, em volta do lago, absolutamente lotado, famílias com filhos pequenos, casais namorando, hordas de amigos, ciclistas, corredores, boleiros, patinadores, dançarinos, donos de cães, capivaras tomando sol, pipoqueiros, lanchonetes, ambulantes com cerveja e refrigerantes, música, balbúrdia, animação. Neste, apenas o murmurejar do riacho, um corredor ocasional ofegante, um casal ciclista que mais admira a paisagem do que pedala, outro casal que mais beija que caminha. Passarinhos festivos, árvores floridas prenunciando a primavera, patos e marrecos preguiçosamente no riacho. Bucólica é a palavra exata para esta paisagem.
Pretendendo exercitar-me por ao menos uma hora, saio caminhando pela vereda à margem do riacho, fotografando uma flor aqui, um pássaro acolá, algumas bromélias, orquídeas, uma casinha de João-de-barro, a ponte de troncos, o córrego, a chaminé, uma garça pescando, um conjunto de árvores.
Cruzo a ponte de madeira e encontro a Rua Pixinguinha. Já estou sentindo a Elis por perto. Para onde vou? Pego o caminho que margeia o córrego. Um salgueiro-chorão chama-me a atenção, bem como dois patos prateados e algumas flores. Enquanto enquadro a paisagem, um rapaz sob uma árvore atrás do salgueiro faz um gesto de quem chama para sentar ao seu lado. Ignoro, certamente não é comigo. Sigo caminho, mas logo a trilha acaba bruscamente em outra avenida movimentada. Decepção! É só isso? Cadê a Elis?
Três rapazes saem da avenida e entram no parque. Trocamos olhares de estranhamento. Eu, por eles estarem muito arrumadinhos para um passeio no bosque; eles, talvez pelo meu aspecto acangaçado em função do boné, dos cabelos amarfanhados e pelas tiras atravessadas no peito, que seguram a máquina fotográfica de um lado e a garrafinha d'água do outro. Decido retornar e procurar novas trilhas até a Elis, Cartola, Elizete, Lupiscínio ... Os rapazes caminham um pouco à minha frente até que pegam uma vereda e somem dentro do mato. Eu é que não vou por ali, os pernilongos vão me comer todo, mesmo estando de camisa de manga comprida. De volta ao Pixinguinha, passo por uma churrasqueira ocupada por pais jovens e pequenas crianças. Um bebê berra no carrinho. Já seriam os pernilongos?
Daquele ponto abrem-se várias trilhas. Escolho a mais larga e íngreme, tenho que desgastar os chopes da noite curitibana. O caminho está vazio, o silêncio reina, parece que todo mundo preferiu ficar lá embaixo, na muvuca do lago. Numa clareira deparo-me com uma árvore caída, tronco bem inclinado, sobre o qual repousa languidamente um rapaz de bermudas, descalço e com a camisa aberta. Penso que tem muita coragem, os pernilongos vão devorá-lo. Ele também me olha surpreso, como se não entendesse o que faço ali. Caminho, ora bolas!
Sigo em frente, subindo, outros três rapazes passam por mim descendo, também muito arrumados. Alguma festa no parque? Alcanço um grande quiosque, automóveis com portas abertas, música nas alturas. Rapazes conversando, bebendo cerveja, cantando e dançando. Olham para mim de soslaio: "O que esse tiozão está querendo?" Continuo, mas logo tenho que parar: a trilha acaba num barranco ao lado do pórtico de Santa Felicidade! Saco a câmera para registrar, minha mulher não vai acreditar por onde andei. Umas árvores floridas chamam-me a atenção. Retorno e entro na mata ao lado do quiosque. Dois moços saem de perto das árvores para que possa fotografar. Agradeço, eles apenas sorriem.
A subida deu para cansar. Acalorado, tiro o boné, depois as tiras da máquina e da garrafinha, por último a camisa azul escuro. Fico só com a camiseta azul clara Adidas. Molho a mão na água da garrafinha, passo no rosto suado, sal puro, repito, rosto limpo. Derramo um pouco nos cabelos, passo as mãos, água outra vez, ajeito a cabeleira dentro do boné. Amarro a camisa na cintura. Estou pronto para outros quilômetros. Percebo, então, que virei atração principal do quiosque, todos atentos aos meus movimentos. Parece até que fiz strip-tease. Será que nunca viram um atleta da segunda idade? Um deles puxa conversa:
- Calor, não? Vai uma cerveja?
- Não, obrigado. A minha está gelando lá embaixo, no lago
- Põe esta na garrafinha para tomar no caminho.
Sorrio, declinando. Ele sorri, lembra o Santoro. Sigo trilha abaixo. Pouco adiante, encontro uma bifurcação, uma placa: rua Elis Regina! Missão cumprida. Fotografo. Olho o relógio, é cedo, resolvo alongar o caminho de volta. Pego a trilha mais estreita, que penetra fundo no bosque. A mata virgem é belíssima, com muitas bromélias, orquídias, cipós, troncos e folhagens variadas. Numa curva encontro dois rapazes conversando, sem camisa. Só eu me preocupo com os pernilongos e outros bichos picadores do mato. Usariam repelentes? Passo por eles e mais adiante deparo-me com um grupo de uns cinco homens parados no meio da trilha. Vou chegando devagar, observo o grupo. Os dois mais altos, de camisetas e jeans justos, lembram o Gianecchini e o Thiago Lacerda. Outros dois são bem jovens e estão com os tórax expostos, camisetas dentro das calças compridas. O último, camisa por fora da bermuda, lembra o Charlies Harper do "Two and a Half Men". Eles me vêem e param de conversar. Abrem o caminho necessário e passo rente por eles. O que conversavam em segredo? Encontro nova bifurcação. Com tantas voltas, sinto-me perdido. Só sei que tenho que continuar descendo até achar o riacho. Da vegetação surgem dois rapazes na trilha da esquerda. Pego a da direita e acelero o passo. Vêm subindo três rapazes, parecem aqueles primeiros, mas um já tirou a camisa. Cai finalmente a ficha: o bosque é área de pegação!
Chego ao riacho, a dúvida me persegue. Não posso esperar: pesquiso no smartphone. Bingo! "Parque Barigui – Além de ter muita gente bonita, lá existe um labirinto de pequenas ruas que é o babado... Mas cuidado com os alibãs... Quem nunca teve seu dia de "Norminha" ou de "Nazaré"? As trilhas vêm com tudo com esse ar primaveril! Lá tudo pode acontecer, seja prudente, use sempre camisinha. Beijo grande e participe da brincadeira. A Sala da Hebe é ótima, apareeeeça !!! Apareci, mas tive a sorte de deixar o short no carro! Eu iria alvoroçar o bosque com minhas máquinas de correr expostas!!!
Chego ao lago, mostro as fotos e conto tudo para minha mulher. Ela não acredita muito, faço nova pesquisa na net, a coisa piora para o meu lado: "Estava eu e amigos passeando pelo Barigui, quando passamos por dois indivíduos super suspeitos... na mesma hora percebemos que os mesmos queriam assaltar alguém... continuamos nossa caminhada... mais tarde vem mais dois conhecidos e falam que os dois carinhas estão querendo assaltar alguém... mas uns 20 minutos depois esses mesmos conhecidos decidem entrar no carreiro com os então suspeitos... os bandidos tinham um corpo super atraente... estavam sem camisa.... claro tinham que chamar atenção das bichas. Após o ato consumado, o assalto ocorreu. Eles foram agredidos e assaltados. O que me deixa mais revoltado é o fato deles saberem que aqueles indivíduos eram assaltantes e mesmo assim quererem aqueles corpos. Bom, pagaram o preço... com tantas opções, foram logo onde sabiam que morava o perigo... O que falta também no parque é uma maior união dos frequentadores para evitar esse tipo de situação Deve-se juntar uma boa quantia de "gay macho", porque gay muitas vezes é mais homem que os próprios heteros, e tirá-los de lá ou na pancada ou na intimidação. Só assim mostraremos de quem é e quem manda naquele espaço!"
- Você deu sorte, tiozão, podia dançar duas vezes!!
- Você acha que eu entraria no mato com alguém?? Os pernilongos ...
- De uma boa cantada ninguém escapa!
- Mulher!!!
José FRID
Obs: "cair a ficha" e "bingo" é coisa da segunda ou da terceira idade??
- Por favor, o parque acaba aqui?
- Não, tem outra parte ali em frente, com rio, ponte, chaminé ...
- Trilhas no bosque?
- É, as trilhas ..., diz ele, olhando-me de cima a baixo, surpreso com minha pergunta. Você entra ali em frente, passa pela ponte e chega no bosque...
- Muito obrigado!
Foi como se entrasse em outro parque. No primeiro, em volta do lago, absolutamente lotado, famílias com filhos pequenos, casais namorando, hordas de amigos, ciclistas, corredores, boleiros, patinadores, dançarinos, donos de cães, capivaras tomando sol, pipoqueiros, lanchonetes, ambulantes com cerveja e refrigerantes, música, balbúrdia, animação. Neste, apenas o murmurejar do riacho, um corredor ocasional ofegante, um casal ciclista que mais admira a paisagem do que pedala, outro casal que mais beija que caminha. Passarinhos festivos, árvores floridas prenunciando a primavera, patos e marrecos preguiçosamente no riacho. Bucólica é a palavra exata para esta paisagem.
Pretendendo exercitar-me por ao menos uma hora, saio caminhando pela vereda à margem do riacho, fotografando uma flor aqui, um pássaro acolá, algumas bromélias, orquídeas, uma casinha de João-de-barro, a ponte de troncos, o córrego, a chaminé, uma garça pescando, um conjunto de árvores.
Cruzo a ponte de madeira e encontro a Rua Pixinguinha. Já estou sentindo a Elis por perto. Para onde vou? Pego o caminho que margeia o córrego. Um salgueiro-chorão chama-me a atenção, bem como dois patos prateados e algumas flores. Enquanto enquadro a paisagem, um rapaz sob uma árvore atrás do salgueiro faz um gesto de quem chama para sentar ao seu lado. Ignoro, certamente não é comigo. Sigo caminho, mas logo a trilha acaba bruscamente em outra avenida movimentada. Decepção! É só isso? Cadê a Elis?
Três rapazes saem da avenida e entram no parque. Trocamos olhares de estranhamento. Eu, por eles estarem muito arrumadinhos para um passeio no bosque; eles, talvez pelo meu aspecto acangaçado em função do boné, dos cabelos amarfanhados e pelas tiras atravessadas no peito, que seguram a máquina fotográfica de um lado e a garrafinha d'água do outro. Decido retornar e procurar novas trilhas até a Elis, Cartola, Elizete, Lupiscínio ... Os rapazes caminham um pouco à minha frente até que pegam uma vereda e somem dentro do mato. Eu é que não vou por ali, os pernilongos vão me comer todo, mesmo estando de camisa de manga comprida. De volta ao Pixinguinha, passo por uma churrasqueira ocupada por pais jovens e pequenas crianças. Um bebê berra no carrinho. Já seriam os pernilongos?
Daquele ponto abrem-se várias trilhas. Escolho a mais larga e íngreme, tenho que desgastar os chopes da noite curitibana. O caminho está vazio, o silêncio reina, parece que todo mundo preferiu ficar lá embaixo, na muvuca do lago. Numa clareira deparo-me com uma árvore caída, tronco bem inclinado, sobre o qual repousa languidamente um rapaz de bermudas, descalço e com a camisa aberta. Penso que tem muita coragem, os pernilongos vão devorá-lo. Ele também me olha surpreso, como se não entendesse o que faço ali. Caminho, ora bolas!
Sigo em frente, subindo, outros três rapazes passam por mim descendo, também muito arrumados. Alguma festa no parque? Alcanço um grande quiosque, automóveis com portas abertas, música nas alturas. Rapazes conversando, bebendo cerveja, cantando e dançando. Olham para mim de soslaio: "O que esse tiozão está querendo?" Continuo, mas logo tenho que parar: a trilha acaba num barranco ao lado do pórtico de Santa Felicidade! Saco a câmera para registrar, minha mulher não vai acreditar por onde andei. Umas árvores floridas chamam-me a atenção. Retorno e entro na mata ao lado do quiosque. Dois moços saem de perto das árvores para que possa fotografar. Agradeço, eles apenas sorriem.
A subida deu para cansar. Acalorado, tiro o boné, depois as tiras da máquina e da garrafinha, por último a camisa azul escuro. Fico só com a camiseta azul clara Adidas. Molho a mão na água da garrafinha, passo no rosto suado, sal puro, repito, rosto limpo. Derramo um pouco nos cabelos, passo as mãos, água outra vez, ajeito a cabeleira dentro do boné. Amarro a camisa na cintura. Estou pronto para outros quilômetros. Percebo, então, que virei atração principal do quiosque, todos atentos aos meus movimentos. Parece até que fiz strip-tease. Será que nunca viram um atleta da segunda idade? Um deles puxa conversa:
- Calor, não? Vai uma cerveja?
- Não, obrigado. A minha está gelando lá embaixo, no lago
- Põe esta na garrafinha para tomar no caminho.
Sorrio, declinando. Ele sorri, lembra o Santoro. Sigo trilha abaixo. Pouco adiante, encontro uma bifurcação, uma placa: rua Elis Regina! Missão cumprida. Fotografo. Olho o relógio, é cedo, resolvo alongar o caminho de volta. Pego a trilha mais estreita, que penetra fundo no bosque. A mata virgem é belíssima, com muitas bromélias, orquídias, cipós, troncos e folhagens variadas. Numa curva encontro dois rapazes conversando, sem camisa. Só eu me preocupo com os pernilongos e outros bichos picadores do mato. Usariam repelentes? Passo por eles e mais adiante deparo-me com um grupo de uns cinco homens parados no meio da trilha. Vou chegando devagar, observo o grupo. Os dois mais altos, de camisetas e jeans justos, lembram o Gianecchini e o Thiago Lacerda. Outros dois são bem jovens e estão com os tórax expostos, camisetas dentro das calças compridas. O último, camisa por fora da bermuda, lembra o Charlies Harper do "Two and a Half Men". Eles me vêem e param de conversar. Abrem o caminho necessário e passo rente por eles. O que conversavam em segredo? Encontro nova bifurcação. Com tantas voltas, sinto-me perdido. Só sei que tenho que continuar descendo até achar o riacho. Da vegetação surgem dois rapazes na trilha da esquerda. Pego a da direita e acelero o passo. Vêm subindo três rapazes, parecem aqueles primeiros, mas um já tirou a camisa. Cai finalmente a ficha: o bosque é área de pegação!
Chego ao riacho, a dúvida me persegue. Não posso esperar: pesquiso no smartphone. Bingo! "Parque Barigui – Além de ter muita gente bonita, lá existe um labirinto de pequenas ruas que é o babado... Mas cuidado com os alibãs... Quem nunca teve seu dia de "Norminha" ou de "Nazaré"? As trilhas vêm com tudo com esse ar primaveril! Lá tudo pode acontecer, seja prudente, use sempre camisinha. Beijo grande e participe da brincadeira. A Sala da Hebe é ótima, apareeeeça !!! Apareci, mas tive a sorte de deixar o short no carro! Eu iria alvoroçar o bosque com minhas máquinas de correr expostas!!!
Chego ao lago, mostro as fotos e conto tudo para minha mulher. Ela não acredita muito, faço nova pesquisa na net, a coisa piora para o meu lado: "Estava eu e amigos passeando pelo Barigui, quando passamos por dois indivíduos super suspeitos... na mesma hora percebemos que os mesmos queriam assaltar alguém... continuamos nossa caminhada... mais tarde vem mais dois conhecidos e falam que os dois carinhas estão querendo assaltar alguém... mas uns 20 minutos depois esses mesmos conhecidos decidem entrar no carreiro com os então suspeitos... os bandidos tinham um corpo super atraente... estavam sem camisa.... claro tinham que chamar atenção das bichas. Após o ato consumado, o assalto ocorreu. Eles foram agredidos e assaltados. O que me deixa mais revoltado é o fato deles saberem que aqueles indivíduos eram assaltantes e mesmo assim quererem aqueles corpos. Bom, pagaram o preço... com tantas opções, foram logo onde sabiam que morava o perigo... O que falta também no parque é uma maior união dos frequentadores para evitar esse tipo de situação Deve-se juntar uma boa quantia de "gay macho", porque gay muitas vezes é mais homem que os próprios heteros, e tirá-los de lá ou na pancada ou na intimidação. Só assim mostraremos de quem é e quem manda naquele espaço!"
- Você deu sorte, tiozão, podia dançar duas vezes!!
- Você acha que eu entraria no mato com alguém?? Os pernilongos ...
- De uma boa cantada ninguém escapa!
- Mulher!!!
José FRID
Obs: "cair a ficha" e "bingo" é coisa da segunda ou da terceira idade??
4 comentários:
Todo cuidado é pouco!!!!!
Rosângela
Verdadeiro e inteligente
Margarida
Engraçado. Demorou pra cair minha ficha também. Fiquei pensando: “puxa, quanto homem bonito!” Como sou paranaense senti até certo orgulho besta.
E você como todo bom escritor deixou a revelação para o final.
Maria Salete
Não deixei a revelação pro final, eu só percebi no final!!
José FRID
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