segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sobre nomes V – Saramago, Millôr e meu avô



Lendo uma biografia do nosso Prêmio Nobel de Literatura descobri que o escrivão inseriu um "Saramago" no nome declarado pelo pai. Só quando a criança teve que apresentar uma certidão oficial para entrar na escola é que descobriram a alteração. "Saramago" era o apelido da família. O próprio escritor esclarece que "saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres". O pai acusou o escrivão de estar bêbado na ocasião e denegrir a família entre os vizinhos da aldeia. O oficial do cartório alegou que apenas atendeu ao pedido do pai.


Como o nome da criança ficaria igual ao do pai – José Sousa – acredito que o escrivão possa ter querido diferenciar o filho colocando a alcunha de família. Algo parecido ocorreu com meu bisavô, que queria pôr no último filho o mesmo nome de outros irmãos e o cartorário se recusou. Negociaram vários anos até registrarem a criança assim: José Domingos Irmão.


A biografia não menciona por qual nome Saramago era chamado antes de se descobrir o equívoco. José? Zé? Zezinho? Sousa? Ela não explica, também, porque ele escolhe o Saramago como sobrenome, ao invés do tradicional Sousa da família. Queria se diferenciar do pai? Nome de guerra? Seja qual o motivo, o Saramago passou para a família, batizando sua filha única Violante e seus netos.


Millôr Fernandes também tem origem no cartório. A confusa grafia do escrivão tornou o nome Milton em Millôr – o traço incompleto do "t" formava uma espécie de acento circunflexo sobre o "o", enquanto o "n" tinha a aparência de "r". Millôr gostou do nome diferente e adotou-o em todos os seus documentos.


Minhas tias têm nomes muito parecidos, o que cria confusão quando a gente quer citar ou chamar uma delas: Celeste, Celsa, Celina, Célia e Celita. A minha avó trocava os nomes, lembrando por último aquele que desejava realmente falar. Sempre achei que iniciar os nomes pelas mesmas três letras devia ser promessa, simpatia, tradição familiar ou outra coisa desse gênero. 


No almoço da última Páscoa, eu troquei os nomes das tias como minha avó fazia e falei que ela devia apanhar por colocar nomes muito parecidos nas filhas. Fui surpreendido por uma delas, que retrucou que quem merecia apanhar era o pai dela, único responsável pelo registro dos filhos. Como bom machão da época, ele ia ao cartório sozinho e colocava o nome que queria, sem consultar vovó. Ela começou a exemplificar pelo nome ela, que era igual ao de uma das empregadas da vovó, criatura muito mole, enrolada, quase inativa, que demorava muito para fazer qualquer trabalho. Minha avó só não mandava embora por pena da coitada. Vovô foi lá e tascou na criança o nome da empregada que vovó detestava. Essa tia acha que ela é meio paradona por culpa do nome. 


A outra tia "Cel..." deve seu nome a uma gata que pertencia aos vizinhos. A gata vivia deitada nas camas e sofás e a dona da casa passava o dia gritando o nome da gata para ela descer dos móveis, irritando a todos. Meu avô não teve dúvida e colocou o nome da gata na filha. (Não, essa tia sempre foi muito agitada, espertinha e trabalhadeira. Agora, depois de .... anos, é que ela está mais gata, não pode ver um sofá, uma cama ...)


Eu não conhecia essa faceta brincalhona do meu avô. Aproveitei para perguntari porque meu tio mais velho, Armando, não tinha recebido o nome do pai, como era costume na época (e ainda hoje em dia). Ela explicou que o nome escolhido pela minha avó era Ramiro, mas que meu avô trocou para Armando na hora do registro. E qual a inspiração desse Armando? Empregado? Vizinho? Gato, cão, passarinho? Nada disso, simplesmente o ex-noivo da minha avó! Ela namorou, noivou, o dito cujo viajou a trabalho e nunca mais voltou! O que passou pela cabeça do meu avô para, nos anos vinte, abster-se de colocar seu próprio nome (ou o nome do seu pai) no seu primeiro filho para pôr o de um antigo namorado da mulher? 


O interessante é que esse tio registrou seu primeiro filho dentro da tradição, e assim sucessivamente, ou seja, o nome do ex-noivo da minha avó seguiu pela família – filho, neto e bisneto, por enquanto – como se ela tivesse casado com ele!


Esse meu avô ....


José FRID


7 comentários:

Anônimo disse...

José Domingos Irmão é nome do nosso tio Zezé. Que no dia 30/04/12 completou 95 anos.
Abraços
Oséas

Anônimo disse...

Interessante.

Margarida

Anônimo disse...

Olá, amigo!
Que confusão danada, vou ficar com o meu mesmo, hehehehehehehe.

Marli

Anônimo disse...

Formidável!

Regina

Anônimo disse...

Mas já pensou se fosse Ramiro? Não, eles não têm cara de Ramiro.
Abraços!
Henrique

Anônimo disse...

Adorei.
Os esotéricos, numerólogos, dizem que nossos nomes possuem uma energia própria e que devemos honrar e “viver” nossos nomes.
Então, talvez, Saramago e Millôr sejam nomes diferentes porque as pessoas que os usavam estivessem predestinadas a serem especiais.
Quanto ao seu tio Armando... bom, acho que seu avô era realmente um tremendo gozador.

Salete

Metamorfose Ambulante disse...

Essa revelação sobre o nome do meu tio Armando abalou a família!!! Meu avô sempre foi considerado um homem seriíssimo, como pôde colocar nos filhos nomes para contrariar minha vó? Será que ele merecia? De qualquer jeito, criaram sete filhos.....