sábado, 5 de maio de 2012

Sobre o pôr do sol: acentos, beijos, palmas e gritos!




Uma leitora perguntou ao consultor gramatical de um site jurídico como se escreve, na vigência do Acordo Ortográfico de 2008, pôr-de-sol, com ou sem acento ou hífens. Outro leitor perguntou sobre a grafia correta de "por do sol", não encontrado no VOLP – Vocabulário Oficial da Língua Portuguesa.


Curiosas as dúvidas dos consulentes. Será que eles usariam a expressão em algum texto jurídico? "O crime foi praticado ao pôr-de-sol". "Aos dez dias do mês de abril do ano de dois mil e doze, ao por do sol, compareceram, de um lado ...". "Sentencio o réu a ver quadrado o pôr do sol por 5 anos, 8 meses e 3 dias ..." Ou eles a empregariam em poemas, contos e romances, como muitos advogados-escritores tais como Lygia Fagundes Telles, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado?

Os povos antigos reverenciavam a alvorada e temiam o pôr do sol: quem garantiria que ele voltaria a nascer? Esses medos ancestrais ainda influenciam os poetas. O nascer do sol irradia luz, esperança, vida, alegria, segurança, calor, início, recomeço. O pôr do sol sugere término, sombras, tristezas, escuro, frio, perigo. Ou tudo ao contrário: poetas são seres livres, imprevisíveis e românticos.

Para desfrutar do show do sol temos que escolher um dia limpo, sem nuvens, nevoeiros, e dar uma paradinha na correria da vida. Procurar um local apropriado, virar-se para o lado certo (leste de manhã, oeste à tarde) e deixar o Astro-rei trabalhar. De manhã, "Fiat Lux". No poente, maravilhar nossos olhos com milhares de tons de vermelhos, laranjas, roxos, marrons, até o preto dominar o céu. Munch inspirou-se nele para criar "O Grito", quadro vendido por cento e vinte milhões de dólares. Ao sair do hospício onde estava internada sua irmã, ouvindo os gritos dos pacientes, foi surpreendido por um pôr do sol e teve uma epifania: "Sentindo-me exausto, parei e me debrucei sobre uma grade. Havia línguas de fogo sobre o azul-escuro da cidade e do fiorde. Meus amigos continuaram andando, mas eu fiquei ali, tremendo, tomado pela ansiedade, e senti o grito infinito da natureza."

Não esqueça: não tem coisa mais romântica que o nascer ou o pôr do sol! A alvorada coroa uma noite gostosa, casal se encontrando, celebração da união recente, tudo é belo, mas logo eles vão ter que se separar, para dormir ou tocar os afazeres do novo dia. Será que ele liga depois? O pôr do sol, por outro lado, comemora uma união mais antiga, fecha um bom dia que promete uma noite saborosa. Depois do pôr do sol, o casal segue para um chopinho, um cinema, a balada, um jantar, o motel ... na sequência ou direto ao ponto.

Os espetáculos têm a mesma grandeza, só que é mais fácil desfrutar o pôr do sol.  A gente já está por ali mesmo, é só esperar que o sol se põe. Rostinho colado, mãos dadas, olhos no horizonte e o espetáculo do sol! Para ver o sol nascer existem duas opções: acordar cedo, sair de casa no escuro... ou virar a noite na balada, resistir ao sono e correr na hora exata para ver o sol nascer. Muito trabalho! Só ver meu exemplo: prometo à minha mulher ver o sol nascer no Pico da Bandeira há uns trinta anos. Por outro lado, já vi o sol se pôr em Paris às dez da noite duas vezes: só deixando-nos ficar na Torre Eiffel, entre abracinhos, beijinhos, comidinhas e bebidinhas.

Essas características fazem com que o pessoal mais emotivo bata palmas para o pôr do sol: Ipanema, Praia do Farol, Jurerê Internacional, Gasômetro, Praça do Pôr do Sol, Ibiza, Califórnia, etc.: felicidade, satisfação, esperança no futuro, certeza que o sol voltará amanhã. Alguém hoje em dia bate palmas para a alvorada? Só antigamente, no Egito dos Faraós, entre Maias, Incas e outros povos temerosos da noite eterna. Os Tupis-guaranis têm até uma palavra específica para o local alto de onde assistir o sol nascer: Araxá, nome de cidade mineira.

O importante, porém, é desfrutar do nascer e/ou o pôr do sol e evitar ver o sol nascer quadrado, acertando a grafia do crepúsculo, do poente, do ocaso, do arrebol: com acento e sem hífens! Com "de" ou "do", mas sem gritos, por favor!!


José FRID

Veja aqui frase/foto do Millôr sobre o pôr do sol
Clique aqui para ver Os Titãs recomendando ver o nascer e o pôr do sol!


Atualização em 19 de julho de 2014:

Ontem morreu o João Ubaldo Ribeiro, aos 73 anos. Uma grande perda!

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom!

Margarida

Anônimo disse...

Fridicus, boa noite.

Amo o por do sol, qualquer que seja o modo correto de escrever.

Ah! Amo também o amanhecer. Já dizia Cartola:

"Alvorada lá no morro que beleza"

Bom, a natureza é linda em qualquer momento.

Stela

Anônimo disse...

Frid, meu Amigo !

É preferível sem Sol, para não ter o "por" e sem a dúvida gramatical !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Abraços, Galvão .

Metamorfose Ambulante disse...

Melhor ver sentado: já vem com acento!

Anônimo disse...

Oi Frid! Como está, meu amigo?
Obrigada por nos fornecer uma paradinha para ver o nascer/pôr do sol quando escreve os contos.
Espero, um dia, ir a um lançamento de livro cujo autor é José FRID.
Estou hoje morando em Maresias. Muito mais perto dos projetos e obras e longe das licitações. Mas tenho saudades principalmente das discussões de como encaminhar o edital.
Um grande abraço, sempre com grande admiração.
Ana Paula