segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Eu e Lênin nas terras de Morfeu


Fui dormir por volta das onze da noite. Como de costume, liguei a televisão e procurei um filme para provocar o sono. Abaixei o som, arrumei meus dois travesseiros, alteando minha cabeça, melhorando a visão da tevê para facilitar a leitura das legendas antes de eu sucumbir a Morfeu. Estava de pijama longo, cinza-escuro, sob um fino cobertor marrom-escuro. Fui adormecendo e, com frio, coloquei as mãos por dentro da calça, ao longo do corpo. (Atenção maldosos: mãos nos lados do corpo!)

Adormeço. Sonho. E no sonho vejo-me deitado na cama, meu corpo iluminado por uma suave luz. Minha cabeça, que se destaca no escuro, descansa no travesseiro, ligeiramente inclinada para a frente. Os braços estão retos ao longo do corpo, as mãos singelamente apoiadas no abdômen. Silêncio total. Ambiente de paz, calmaria. Meus dois "eus", o que vê e o que está deitado, estão tranqüilos, serenos. Um "eu" dorme e, talvez, até sonhe. O outro "eu"  o contempla e, depois de algum tempo, conclui que o "eu" adormecido parece um morto: quieto, deitado de bruços, corpo alinhado, todo de preto, sob uma luz mortiça. Morto, mas não num caixão. A imagem que vê parece-lhe familiar, O pensamento voa como um morcego, captando reverberações, e se ilumina: O corpo embalsamado de Lênin!  O "eu" vidente regozija-se com a lembrança da múmia do líder soviético no mausoléu da Praça Vermelha. Um morto fora do caixão. Recorda-se vagamente de que leu que as mãos de Lênin, uma espalmada e outra semi-aberta, estariam doentes, ou melhor, deterioradas. O "eu" que dorme toma consciência das mãos russas, mas não sente as suas próprias. Doentes? A múmia de Lênin, meu corpo, as mãos podres do líder, minhas mãos insensíveis, o mausoléu, meu quarto, morte, morte – meus dois "eus" se fundem e acordo desesperado!

Abro os olhos, está escuro, reconheço meu quarto pela lâmpada do stand-by da televisão. Sinto meus punhos forçados pelo elástico do pijama. Retiro as mãos dormentes e movimento os dedos. Há sangue nestas mãos, elas renascem. Mexo as pernas, viro-me de lado, morto não estou. Ainda estou com sono, mas temo dormir e sonhar com a múmia das mãos podres. Como Lênin, ou melhor, sua múmia, entrara no meu sonho? O que significaria eu sonhar em me ver dormindo? Saí do meu corpo? Viagem astral? Por que a múmia de Lênin? Minhas mãos dormentes motivaram sonho com as mãos doentes do Lênin? São tantas questões que perco o sono, temeroso em topar com a múmia soviética. Insone, perambulo como um fantasma pela casa adormecida, quem sabe o de Trosky, que Lênin mandou matar no México. Acordado, não me recordo de ter visto a imagem da múmia de Lênin, face e mãos sobre corpo negro. Vasculho a internet e acho a foto do mausoléu, exatamente como sonhei. A memória é engraçada, esquece coisas que queremos recordar e guarda informações sem nenhuma relevância aparente.

Shakespeare escreveu que "somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos". Nietzche disse que "nada é tão nosso quanto os nossos sonhos". Se o sonho era meu, como o criei? Para quê? Não sou marxista-leninista, nem tenho especial apreço por soviéticos e/ou comunistas. Dos russos gosto, principalmente, das obras de Dostoievisk, Tolstoi, Tchekov, Gogol, Pushkin, de poucos poemas de Maiakovisk, alguns cartazes da revolução russa e das cúpulas "carnavalescas" da igreja de São Basílio. Seria influência de algum filme que assist.ira dormindo? Para evocar Lênin poderia ser "Reds (10 dias que abalaram o mundo)", "Doutor Givago", "Encouraçado Potenkin", "Frida", "Budapeste", "Adeus, Lênin" .

Acordado, meu espírito racional foi procurar as respostas nos possíveis significados do sonho. (Procurar significado para sonho é ser racional? Digamos que é o racional possível depois de acordar de um pesadelo na alta madrugada) Achei uma frase de Freud: "os sonhos não seriam produtos do acaso, mas estariam associados a pensamentos e problemas conscientes". Ele apontava duas fontes para eles: uma relativa ao mundo exterior e a outra relativa ao material interno guardado na memória. Aguçado pelas palavras do mestre, fui atrás das quatro coisas que tinham chamado a minha atenção no sonho. A primeira foi sonhar em me ver dormindo: "sonhar que está dormindo significa ilusão, que pode estar relacionada a fuga de um problema que você esteja passando na vida real". Não ajudou, quem não estaria passando por problemas na vida de hoje? Segui para o segundo aspecto e o mais exótico: sonhar com Lênin. Só achei isso: "quem sonha com alguém que lhe é conhecido, poderá vê-lo ou ouvir notícias dessa pessoa". Certamente Lênin é meu conhecido. Ver não posso mais vê-lo, só viajando para Moscou visitar a múmia. Ouvir notícias? Da múmia e da sua história. Ler seus livros? Continuava complicado. Seria hora de procurar um analista, um psicólogo? Terceiro item: sonhar com mãos. "Sonhar com suas mãos representa a relação entre você, as pessoas que te rodeiam e o mundo. Elas simbolizam a comunicação". Mãos podres seriam sinais de dificuldade em relacionar-me com o mundo? Uma boa hipótese, tem gente que não me entende. Fui mais a fundo: "Um sonho com as mãos deve relacionar-se com o trabalho. O que faças com as mãos deverás relacioná-lo com temas profissionais ou trabalhistas." Trabalho ou comunicação? Comunicação no trabalho? Trabalho de comunicação? Só Freud explica! Como ele não estava por perto, confuso, fui navegar por outra praia: sonhar com múmia comunista o que significaria? Procurei até o sol raiar e nada. Parece que ninguém sonha com comunista (Será que comunista não deita em divãs de analistas e psicólogos?) O sol encharcou  minha janela, indicando que era hora de trabalhar. Saindo de casa, mal pus os pés na calçada, depois de desejar um bom dia para o porteiro, tive uma epifania: Lênin convocava-me para ir às ruas agitar as massas! Eu com bandeira vermelha, marchando pela Paulista, à frente do povo revolucionário!

Este sonho não me representa!

José FRID

9 comentários:

Anônimo disse...

Pelo que eu acabo de ler.
Isso tem haver com vidas passadas.
Me parece que você viveu está época.
Abraços
Oséas

Metamorfose Ambulante disse...

Quem sabe, não???

Anônimo disse...

Sinceramente : Genial !
Valeu cada minuto da leitura, maior que a usual, diga-se de passagem.
Parabéns. Abração.
Ricardo B.

Metamorfose Ambulante disse...

Gostei que você tenha gostado! Cada tema pede um tamanho de texto, apesar de eu cortar, cortar, cortar.....

Boa semana!

Anônimo disse...

É bom ler seus escritos,sempre fluentes e intrigantes.
obrigada
bjs
Regina H.

Anônimo disse...

Olá!

Qr dizer q vc se disfarçou de manifestante pra ñ ser reconhecido. Q coisa feia! Falando sério, até ñ discordo de manifestação, embora pra q participe de uma, só se concordo totalmente. Mas estas q andam fazendo, a imensa maioria acabou em quebra-quebra e até saques. Assim se perde a razão.
Mas, esquecendo disso, diga uma coisa, mas tem alguma parte do sonho q é similar à sua realidade, né?

Abç e tenha inspirada semana.

Z...

Metamorfose Ambulante disse...

Não sei se tem alguma realidade no sonho. Só dando para um especialista analisar! O sonho foi a maior surpresa, tive realmente pesadelo e acordei com medo.

Grande abraço!

Anônimo disse...

Bom dia Don Frid, estou hoje voltando de greve...

Muito bom mais uma vez!

A dupla caipira não é Trotky e Maiakovski? rsrsrsrs...

André

beth disse...

Nooossa, que coincidência!!! So li seu texto hoje (eu, novamente com os e-mails bem atrasados). E hoje a noite, também tive um sonho bem estranho. Sonhei que a prima estava sem os braços (eram dois cotocos no lugar). Pensei agora se o seu Lenin tem alguma coisa a ver com minha prima. So Freud mesmo. E, como ele não esta por aqui...

Ótimo texto!

Boa semana
Beth