sexta-feira, 16 de agosto de 2013

REENCONTRANDO UMA VELHA AMIGA


Reencontrei minha velha amiga. A Dramaturgia. Fiquei um tempo sem falar com ela. Não chamava ela pra briga como eu costumo dizer. Minha velha amiga. Até um ano atrás tinha alguns textos em andamento. Mas era só. Quando eu digo "em andamento", é só isso mesmo. Eles ficam lá, meio abandonados, espremidos entre todos os outros arquivos de Word, declarações, autorizações, letras de músicas, o escambau. Eles ficam lá, me esperando e eu não dou mais a mínima atenção pra eles. São fragmentos de díalogos, situações escritas, personagens esboçados, mas nada muito mais do que isso. Tava escrevendo letras de música, me dedicando mais ao rock and roll, escrevendo poemas ou no facebook e prefácios para livros de amigos, mas deixei os textos de teatro esquecidos entre todos aqueles arquivos (a maioria estupidamente desnecessários). Depois que levei os tiros e saí do hospital, já tinha uma apresentação marcada de um texto inédito no Festival de Curitiba. Então lembro que me sentei lá na cadeira em frente ao computador e escrevi convalescente e "catando milho", já que a minha mão esquerda não mexia, o "Música para ninar dinossauros" e depois desencanei de novo. Aí por conta do projeto de fomento do ano passado, eu escrevi outros dois textos que gosto muito: "Quartos de Hotel" e "O Inferno em mim". E esse ano escrevi e a gente tá apresentando o "Borrasca". Agora tô terminando mais um e tenho várias outros em andamento que só precisam de um pouco mais de entusiasmo de minha parte. Mas eu gosto imensamente dessa sensação. Sozinho com meu computador. Escrever febrilmente. E gostar muito de estar escrevendo. E dizer pra ela (a dramaturgia) que nessas horas deixa de ser minha amiga e se transforma numa amante voraz: "E aí, sua puta safada? Tá gostando de me ver por aqui de novo? Você vai me fazer um boquete agora do jeito que você sabe que eu gosto e só vai parar quando eu disser pra parar". Ela então dá aquele sorriso enorme e franco que só ela sabe dar, se liga que a noite vai ser longa, enfia a cabeça ali no meio das minhas pernas e manda ver. É sempre bom pra caralho. Lembro que falei pra uma rapaziada de uma oficina uma vez: "Um dos nossos maiores inimigos é o MP3. É isso aí. Antigamente a gente saía na rua e ficava pensando o tempo inteiro em diálogos, em situações, em fechamentos de cenas. Hoje em dia a gente fica ouvindo música o tempo inteiro, se distraindo propositalmente. A gente tá preferindo não pensar". Então desligo o MP3 e saio andando vendo as pessoas nos bares. Mas não se deve abandonar o MP3, caralho, mesmo porque uma trilha sonora é sempre bem vinda em situações como essas. A gente só não pode é ficar dependente dele. Mas a mágica tá toda lá. Eu reencontrei a minha velha amiga e ela parece que tá na mó forma, tá inteiraça a puta safada. Belas pernas ainda, apesar da idade já avançada. Mas é claro que existem todas as distrações. É claro que levanto da cadeira e ligo a tv a cabo e fico assistindo um filme qualquer. Mas parece que os filmes conspiram a meu favor. Parece que o sujeito entrando em casa de maneira brusca me sugere uma idéia pra um diálogo que já tava ali entrincheirado entre uma letra de música e outro verso daquele poema que eu tô escrevendo. O Clip da bandinha pop da MTV me fornece a pista que faltava pra entender o mote principal do prefácio de um livro. É tudo assim. Sempre foi assim. Eu é que às vezes fico esquisito pra caralho. Mas a maior distração de todas (que bela distração) é o livro do Raymond Carver que eu fico relendo (os 64 contos). É sempre de uma melancolia àspera, de uma poesia dry incomparável. Cada conto te leva mais pro fundo da kitchenete, te faz desejar encher a cara e estancar qualquer possibilidade de emoção mais desbragada. Não é pra isso. É sem perspectiva, sem esperança. É o último poema de alguém que sabe que não vai mais poder escrever porque tem um bosta dum câncer minando a sua resistência. Ainda bem que você sempre volta, minha amiga. Você sabe que eu sempre tenho saudades de você. 

Mario Bortolotto no seu Face

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