quarta-feira, 26 de março de 2014

Carnaval e cerveja

O carnaval passou e o ano começou, diz o ditado popular. Para alguns, é claro. Para os necessitados, o ano de 2014 começou em dois de janeiro, logo depois da ressaca do réveillon. Alguns poucos felizardos começarão seu ano depois da Páscoa, quiçá da Copa. Os políticos começaram 2014 ainda em 2013, as eleições são prioridades. Um dos motivos do pífio crescimento da economia.

O carnaval se foi e com ele a enxurrada de anúncios de cervejas. E não foi só publicidade rádio-televisiva-internética, mas também a presencial, com patrocínio dos carnavais de ruas, desfiles oficiais, bailes, etc. Eu, como leal consumidor fiz a minha parte e tomei alguma cerveja no carnaval. Não quero ser responsável por desempregar publicitários ou comprometer patrocínios carnavalescos cevados a puro lúpulo, trepadeira das mais gostosas. (Epa!)

No Rio de Janeiro, o patrocínio dos blocos e bandas é da Antártica. Os ambulantes e seus isopores são vestidos com o azul da marca, destacando-se na multidão. A logística do comércio  para ofertar cerveja gelada exatamente na hora que o folião tem sede é profissional. A Antártica oferece a cerveja com desconto para os ambulantes, diretamente ou via supermercados. Imensos caminhões de gelo postam-se em várias ruas da cidade para abastecer os vendedores. Como os blocos e bandas são, majoritariamente, móveis, os comerciantes informais têm que se deslocar junto com os consumidores. A carga é pesada e a criatividade maior: colar os isopores em skates ou carrinhos de rolimã. Outros expropriam carrinhos de supermercado. O resultado é um luxo: o cidadão no meio do bloco cantado novidades (Índio quer apito, Máscara negra, Linda pastora, Cabeleira do Zezé....) e seu fornecedor ali colado. Só dar o comando que uma latinha (ou latão) bem gelada cai na sua mão! Melhor que “Drive Thru” ou “Delivery”. O pós-venda também é pensado: catadores dão conta das latas vazias e banheiros químicos por todo o lado tentam atender a milhares, centenas de milhares, em alguns casos milhões de consumidores querendo descartar a mercadoria já filtrada e quente. Haja!

Acho irônico, em pleno carnaval patrocinado por cervejarias, a prefeitura querer fazer valer a lei que proíbe urinar discretamente no cantinho. O bloco Sargento Pimenta levou cerca de cento e vinte mil pessoas para o Aterro do Flamengo. Como fornecer banheiros para uma pequena cidade bebendo e urinando num mesmo local? Sem falar no Bloco da Preta, no Monobloco, no Bola Preta, que levam milhões, uma Campinas inteira querendo se aliviar ao mesmo tempo. O patrocínio deveria ser de cachaça, uísque ou cerveja em pó!

No Brasil, infelizmente, algumas leis “pegam” e são obedecidas por quase todos, e outras não “pegam”, sendo solenemente ignoradas pelo povo e pelas autoridades que deveriam aplicá-las/fiscalizá-las. De modo que o monopólio da Antártica é para inglês ver: um pequeno acréscimo financeiro e eis que surgem latas amarelas daquele isopor todo azul. Pobre Antártica, relegada a ser cerveja de terceira categoria da AmBev, depois das Skols amarelas e Brahmas vermelhas. Bons tempos em que as fábricas eram de donos diferentes, concorrentes, e a Antártica era  a mais querida, a “paixão nacional”.

Num carnaval daqueles tempos, peguei uma pneumonia misturada com bronquiolite. Conclusão: muitas dores, fraqueza, catarros, repouso absoluto, antibióticos, antiinflamatórios e... nada de álcool! Logo, nada de praias, Rio de Janeiro, Salvador. Fui para o sítio, ficava indo da cama para o sofá da sala, sopinhas e remedinhos. Naqueles tempos não tinha SKY, só parabólicas com as tevês abertas, com aqueles programas pavorosos de e sobre carnaval. O pior era nos intervalos, quando surgiam os anúncios com a Daniela Mercury e suas bailarinas, dançando e cantado em ritmo de Axé: “Nesse calor você merece uma cerveja, nesse calor você merece uma Antártica, paixão nacional!!” Fiquei um tempão sem poder ver a garrafa da faixa azul!

Toda essa facilidade tem suas conseqüências como beber em excesso, muitas alegrias, alegrias em demasia, inconveniências, incontinências, amnésia total: Eu fiz isso? Beijei aquela pessoa? Não me lembro de nada! Não sei de nada! (desculpas também usadas por alguns políticos mesmo não bebendo!) Passei por isso em priscas eras e por isso não bebo mais. Aprendi a lição. Hoje sou muito ajuizado, quase um santo!

Cena um: baile de carnaval num hotel. Estou no bar conversando com uma mulher, muito interessado nela, ela nem tanto. Dinheiro pouco, só rola cerveja.  Conversa vai, cerveja vem, mais conversa, mais cerveja. A coisa parece estar esquentando entre nós. Conversa, cerveja. Ela diz que vai ao banheiro e volta logo. Ela demora, encosto na parede, ela não chega, sento no chão para esperá-la. Um olho fecha, o outro, ... acordo com o sol na cara, deitado de costas no capô de um carro, braços abertos qual um Cristo. Mistério! Como atravessei salões, desci escadarias e cheguei na rua? Até hoje não sei.

Cena dois: A turma toda faz um “esquenta” na casa de um amigo. Começamos pela cerveja e depois detonaram o bar do pai dele: uísques, conhaques, vinhos, vodkas, licores... Meia noite entramos no salão, cada qual procurando a deusa do dia. Mais cerveja no bar. Alegria, alegria. O álcool começa a cobrar seu preço. Cai um, apaga outro, dois são carregados para fora, etc. No fim só fico eu em pé, talvez porque tenha ficado só na cerveja. Em pé é forma de dizer: torto, oscilante. Abraço uma mulher que passa e saio dançando com ela. Olha para mim, aprecia (ou não arranjou nada melhor) e entra na minha. Dança, cerveja, dança, cerveja, acho que até rolou uns beijinhos, uns amassos. Acordo com fortes batidas na porta do quarto do hotel. Olho o relógio: três horas da tarde. Pergunto quem é. “O namorado da Luíza”. Que Luíza? “Que ficou com você ontem”. Eu fiquei com alguém? “Sim”. E você? “Não me deixaram entrar no baile”. Peço para ele esperar. Acordo de vez, troco de roupa, lavo o rosto e tento me lembrar do acontecido. Branco total. Que fazer? Sair pela janela? Não, terceiro andar. Vou ter que encarar o cidadão. Abro a porta temeroso e nos encaramos. Ele forte e alto, eu baixo e ressacado. Pergunta o que aconteceu na noite passada. Digo não deve ter acontecido nada, eu não tinha condições. Resumo a história para ele e falo que não me lembro de nada, nem sei como vim parar no quarto. Ele acaba acreditando e vai embora sem quebrar a minha cara. Não sabia naquela época que eu levava jeito para presidente. Podia ter investido numa carreira política...

É, melhor eu passar o próximo carnaval em uma retiro religioso. Ou longe do Brasil, num país onde não exista carnaval com “c” de cerveja!

José FRID

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