terça-feira, 10 de junho de 2014

Bonitinha, mas ordinária

- Não te amo mais!

Ela pronunciou essas fatídicas palavras já se levantando. Virou-se e partiu sem olhar para trás. Ele ficou ali, estupefato, derreado na cadeira do bar, olhar caído, acompanhando suas lindas pernas afastarem-se até que a dona delas dobrasse a esquina. Derreado ficou, à espera que ela voltasse, uma brincadeira dela, quem sabe...

Minutos, muitos, escoaram-se antes que ele conseguisse levantar os olhos da calçada recém-pisada pelas pernas da maldita fêmea, pernas que até a pouco o entrelaçavam em ritos amorosos. Seu olhar desolado vagou pelo bar repleto de machos até se fixar na sua mesa, nos dois chopes intocados, nas batatas frias...

Um soco na mesa, duas tulipas no chão, as batatas gordurosas imóveis no prato. Viu o chope escorrendo pela calçada como urina de cão abandonado, ele. Mais que abandonado, escorraçado, maltratado, judiado, como se fosse um cão sarnento.

"Não me ama mais....", diz ele para o garçom solícito, que lhe entrega nova tulipa cheia e tenta dar ordem no desastre. "Não me ama mais, foi o que ela disse, a cachorra..." Ele levanta o punho, o garçom preocupa-se com a louça, mas a mão fechada agora esmurra o peito do homem rejeitado, que soluça e chora. "Que fazer", indaga-se o garçom. Isso não lhe ensinaram no SENAC. Abandonar o cliente, nunca, esperar ao seu lado configurar-se uma situação que esteja no manual do bom garçom.

"Não me ama mais, não mais, nunca mais..." balbucia o infeliz cliente, entre lágrimas. O outro enxuga as gotas salgadas assim que tocam no tampo de mármore, manter a mesa limpa foi-lhe ensinado. Repete o ato mecânico à espera de ser salvo pelo chamamento impaciente de outro cliente. Porém, o bar agora é catedral, todos estão solidários com a dor do homem: a cachorra era uma bela cadela, uma grande perda. Chorariam também se fosse com eles?

O homem estabiliza-se e força o garçom a sentar à sua frente.

- Desculpe pela sujeira. Foi uma surpresa.
- Não se preocupe.
- Foi um golpe baixo dela. Eu não esperava
- Sei como é....
- Sabe? Eu não. Vou me matar.
- Deixe disso, diz o garçom, apropriando-se dos talheres sobre a mesa e chutando os cacos das tulipas para longe.
- Quero morrer! Morrer! Ou vou matar essa cadela!
- Parte pra outra, tá cheio de mulher por aí.N
- Igual a ela não tem. Ela é divina...
- Desculpe, mas você não acabou de dizer cachorra, maldita, cadela...
- Também, mas eu amo essa mulher!
- O que é o amor? Coisa que passa, não vale morrer ou matar por ele...
- Trás a conta, que vou pra casa me matar! Melhor, vou me jogar debaixo de um ônibus!
- Calma, homem, você não é um personagem de Nelson Rodrigues!

José FRID

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