Sobre o povo nenetse, nômades criadores de renas, que vivem na Sibéria, perto do círculo polar ártico, enfrentando temperaturas entre -30º e -40º C.
Os nenetses vivem num clima terrivelmente rigorosos, com o mínimo necessário. Eu, mal acostumado, tinha medo de que me faltasse de tudo ao visitá-los. Chegando lá, descobri que havia levado, para uma única viagem, muito mais coisas do que eles possuíam. Ao fim do dia, depois de percorrer quilômetros em trenó, um nenetse constrói seu "tchum", uma tenda feita de pela de renas. Tudo o que ele possui cabe ali dentro. No dia seguinte, ele a desmonta rapidamente e todos os seus bens voltam para os trenós. Precisam ser leves para não cansar as renas. Esses homens do frio vivem com pouco; mesmo assim, sua vida é tão intensa, tão plena e tão forte em emoções quanto a nossa. Talvez até mais, pois tanto multiplicamos os bens materiais para tentar nos proteger que acabamos nos esquecendo de viver. Não olhamos mais para a natureza e para os outros, nos separamos de nossa comunidade. Isso me preocupa muito. Fico apreensivo de ver que quase todas as tecnologias, no fim das contas, acabam nos isolando. À medida que as coisas materiais evoluem, podemos cada vez mais fazer coisas sozinhos em nosso canto. A história da humanidade, porém, é a história de nossa comunidade. Nós, pelo contrário, nos dispersamos, nos individualizamos. Ninguém poderá me convencer de que o individualismo, tanto quanto o cinismo, é um valor.
Sebastião Salgado in Da minha terra à Terra, Paralela, 2014, págs. 132/133
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