Como a noite chegasse e ninguém vinha,
Tranquei a porta contra o mundo;
E a minha casa plácida e mesquinha
Ficou comigo num silêncio fundo…
Ébrio de só, falando a sós comigo,
Despreocupadamente passeando,
Fui verdadeiramente aquele amigo
Que em cada amigo já me vai faltando.
Mas bateram-me à porta de repente
E todo um poema se apagou num salto…
Era o vizinho, que o almoço assente
Para amanhã me lembrou. Não, não falto.
E, de novo, trancados porta e ser,
Tentei restituir ao coração
O passeio, o entusiasmo e o desejo
Com que era ébrio do que os outros são.
Mas nada… Os móveis naturais da casa,
As paredes certeiras a me olhar,
Como alguém que deixa de olhar a brasa
E não viu brasa já ao ir olhar.
19 - 8 - 1934
Fernando Pessoa In Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006
Nenhum comentário:
Postar um comentário