Domingo, dez e pouco da manhã, estou na fila da seção 135 da 258ª Zona Eleitoral. Por extenso fica mais bonito: ducentésima, quinquagésima, oitava zona eleitoral. Umas dez pessoas na minha frente. Jovens, mais velhos, homens e mulheres. Uma mãe com filho, um avô com netinho. Acho isso bonito, mostrar a importância do voto para as próximas gerações. Olho ao redor, um corredor de escola primária, agora ensino fundamental. As paredes estão decoradas com cartazes festejando a Primavera. Flores, árvores, bichos, riachos, etc. como meus filhos faziam na infância deles. Num canto, o resultado de um torneio de futebol, com alguns times emulando o desempenho do Brasil perante a Alemanha. Mais à frente, um mural com desenhos de casas com chaminés, árvores, sóis, papai, mamãe, irmãos, amiguinhos, bichinhos, bolas, etc., como só as crianças pequenas sabem fazer. Num longínquo passado, eram os meus rabiscos que enfeitavam a escola. Não essa, é claro, outra, à beira-mar. O tempo passa e com ele caminhamos todos juntos sem parar...
Mais uma vez estou ali, naquele corredor, cumprindo meu dever cívico. Devia ser um direito e não obrigação, mas isso é assunto para outra crônica. Posso fazer o caminho de olhos fechados. Cruzo a estreita porta de entrada da escola, desço alguns degraus, passo pelo claro hall de entrada, subo as escadas até o primeiro andar, dobro à esquerda e vou até o fundo: 135ª seção. Minha primeira eleição ali foi em 1986. Com a redemocratização, houve um recadastramento geral dos eleitores e aproveitei para mudar meu título para São Paulo. Essa escola era perto de onde eu morava. Mudei de casa várias vezes, mas deixei meu título ali, na 258ª Zona Eleitoral, com medo de ser convocado para mesário. Assim, lá se vão quase 30 anos no mesmo lugar. Não consigo lembrar-me da eleição do ano anterior, se fui para o Rio votar para prefeito e vereadores ou justificado minha ausência. Só me recordo da vitória apertada do Jânio Quadros sobre FHC, decidida nos últimos dias. FHC sempre na frente, atendendo apelos dos jornalistas, fez foto na cadeira do prefeito, então Mário Covas, que o apoiava. Jânio, sempre histriônico, desinfetou a cadeira para afastar maus espíritos. Aproveitou a presença da imprensa e pendurou chuteiras na porta do gabinete, sinalizando que o cargo seria o último da sua longa carreira, o que realmente aconteceu. FHC e Covas foram eleitos senadores no ano seguinte, com meus votos é claro, a minha primeira eleição naquela escola. Um exercício curioso é imaginar se, caso FHC tivesse vencido, conseguiria chegar a senador, ministro e presidente, ou ficaria enredado às agruras municipais paulistanas. Nossos passos pelo chão vão ficar...
A fila está grande, mas ninguém reclama: quase todos com seus smartfones nas mãos. Mudança drástica em apenas dois anos. Em 2012 a fila estava com tamanho semelhante e o pessoal não parava de reclamar do tempo perdido. Hoje um silêncio só, cada um em seu mundo, sem perda de tempo, ali em corpo presente, mas espírito longe, longe, entre amigos virtuais, noticiários, vídeos, etc.. Quantos votos foram decididos ali, naquela hora, na fila esperando para votar, via internet? No meu caso, eu sabia em quem votar para deputado federal, mas o número só consegui localizar minutos antes via Google.
Se da eleição de 1985 não lembro muita coisa, da de 1986 recordo-me de tudo. Eleições amplas, para governador, senadores e deputados. A importância dessa eleição devia-se ao fato de ser a primeira depois da democratização e que os eleitos estariam encarregados de elaborarem a nova Constituição Federal. O Plano Cruzado ainda não tinha soçobrado, e o PMDB, do presidente Sarney, saiu amplamente vitorioso: fez 22 governadores em 23 possíveis, a maioria dentre os 49 senadores eleitos eleitos, 260 em 487 deputados federais e o maior número dos 953 deputados estaduais. Como diriam os antigos, fez barba, bigode e cabelo. Eu também quase elegi todos em quem votei. Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas senadores, Serra deputado federal. O nome do deputado estadual que elegi não me vem à cabeça: culpa minha ou dele? Só não acertei o governador: votei no Ermírio de Moraes, que chegou em segundo. Não dava para votar em Quércia, já cheio de denúncias de enriquecimento veloz, expresso, ultrarrápido. O jingle da campanha dele grudava que nem chiclete: "O céu nasceu para todos e também para você, vote Quércia, vote Quércia, PMDB". O candidato do PT era o Suplicy, que chegou em terceiro. O partido dele aproveitou a melodia do jingle rival e distorceu a letra: "O céu nasceu para todos e não só para você, corre Quércia, corre Quércia, que eu vou lhe prender". Na imagem, um sol emoldurado por uma janela quadrada gradeada. Nunca conseguiram prender Quércia, que morreu multimilionário. Faltou um Joaquim Barbosa na época.
Quase 30 anos no mesmo local. Muitas crianças de 1986 que deixaram seus desenhos naquelas paredes já são pais e talvez seus filhos estudem por ali. Como diz a canção, "marcas do que se foi, sonhos que vamos ter, como todo dia nasce, novo em cada amanhecer... Chegou a minha vez. Encaçapo meus votos: deputado estadual, confirma, deputado federal, governador, senador, presidente, confirma. Espero fazer barba, bigode e cabelo outra vez. Se não der, o importante é voltar para o segundo turno.
Caminhando para casa, penso nesses anos todos de eleições, como muitas coisas mudaram para melhor nesses quase trinta anos. Os smartfones são um exemplo. Uma linha de celular custava dois mil dólares, a linha fixa era declarada no imposto de renda. Agora na mão de todos. E como muita coisa continua a mesma. Sarney, por exemplo. Maluf, Collor, Lula... Quércia está rindo lá onde se encontra: muitos daqueles petistas, menos um, que entoavam a musiquinha contra ele estão vendo o sol nascer quadrado na Papuda. É, o saque do povo continua. Agora são os petistas e seus parceiros que enriquecem veloz, expresso, ultrarrapidamente..... será que a delação premiada do Paulo Roberto Costa e suas consequências penais mudarão esse panorama político-criminal? Ponho fé nas palavras do homem, afinal devolveu 70 milhões! Será que um corruptor, enfim, irá para a cadeia? Só no Brasil há corruptos sem corruptores. Que falta fará um Joaquim Barbosa no STF...
Em 2016 estarei de volta a esse primaveril corredor para escolher vereador e prefeito, se não morrer ou entrevar, é claro, ou ganhar na Sena, que é uma hipótese muito melhor. Completarei 30 anos de votos na escolinha. Uma efeméride. Vou bolar uma camiseta especial para ocasião. Chamar os amigos para compartilhar o momento eleitoral. Cervejas vão rolar!
Mas espero, do fundo do coração, não precisar cantar "Corre Hadad, corre Hadad, que a PF vai lhe prender...."
José FRID
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