quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Do sexo das luzes


[...] O céu era amplo até mesmo em Nova York, em Manhattan, no Lower East Side; era um pouco delimitado e não chegava a ser tão amplo quanto o céu do Oeste, mas não deixava de ser como uma lente escancarada em abertura angular, um olho enorme que nunca piscava e não permitia que a pessoa encontrasse sua identidade, na paisagem escancarada da América, onde tudo caíra das telas e deixara para trás apenas campos abertos, vazios, abstratos e expressionistas de desolação subjetiva, onde tudo caíra nas ruas destruídas do Lower East Side e jazia em montes nas sarjetas, pilhas de colchões e molas soltas, bonecas quebradas e sutiãs, espelhos despedaçados e corpos curvados no amanhecer sujo, a lese do Tompkins Square Park, como numa Desdren bombardeada, expostos na luz pulsante, que era tão completamente masculina, sim, uma luz tão masculina e jovem que era justamente o oposto da luz cinzenta e perolada de Paris, que era tão feminina, não tão agressiva quanto a luz americana e seus pintores agressivos da New York School, e em comparação a luz de Paris era velha, como uma velha grande dame dormitando em sua escola de Beaux-Arts.


Lawrence Ferlinghetti in Amor nos tempos de fúria, L&PM Pocket, pág.15.

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