domingo, 13 de dezembro de 2015

O sucesso do gatinho prata

Cair da noite, pequena cidade praiana. As atividades diurnas de lazer estão encerradas. A turistada, banho tomado, cabelos úmidos, perfumes a mil, exibe suas roupas novas, coloridas, floridas, decotadas: bermudas, shorts, camisetas, bluzinhas, saias micro, médias, longas, vestidinhos, vestidões, alças, alcinhas, chinelos, sandálias, tênis, chapéus, lenços, bonés e peles vermelhas, muitas peles vermelhas. Andam em grupos barulhentos ou aos pares, os novos de mãos dadas, os antigos lado a lado. Todos procuram realizar a missão do turista: comer, beber, comprar, observar os outros turistas, surpreender-se com bobagens ditas imperdíveis: um pôr do sol, uma árvore diferente, flores exóticas, a singela pracinha, sorvete ou suco da fruta local, a igreja, outra casa velha....

Na viela sombreada por flamboyants vê-se uma roda de turistas, ouve-se os cliques dos celulares, flashes: uma celebridade? Um artista de rua? Não, um gato, um gatinho prateado brincando no meio da rua com gravetos atiçados pelos passantes. De repente, no meio da brincadeira, o gato para, fica sério, bigodes abertos, olhar fixo para frente, para o horizonte além dos caniços vermelhos ao seu redor. Os turistas olham na direção indicada: um pássaro, um rato, um cão, outro gato? O bichano contrai-se, muda sua geometria, uma corcova aparece. Será a preparação de um bote? Eles aguardam ansiosos pelo que estar por vir, muitos com as câmeras ligadas: sabem que gatos veem espíritos, almas, passado, futuro.... mas, de surpresa, tripas negras embolotadas saem do final do gato.

Abre parêntese: muitos dos curiosos turistas têm gatos em casa, animal discreto, higiênico. Os que vivem em apartamentos têm casinhas especiais com areia idem, onde fazem suas necessidades fora dos olhares e das narinas dos donos, que de vez enquanto peneiram a areia para retirar bolotas arenosas. Os gatos que ficam soltos fazem suas necessidades longe dos donos. Fecha parêntese.

Os turistas ficam embevecidos com a cena, rara para eles, como ficaram com as primeiras fraldas premiadas dos filhos, sobrinhos e netos. O gato continua sua função, o negócio é sólido, a dieta é pobre em fibras, alheio aos olhares, às câmeras, não sabe que alguém transmite o espetáculo para Milão. O bichano conclui seu objetivo, sai do transe, relaxa o corpo, dá um miado de satisfação.

O pequeno felino prateado dá-se conta do povo à sua volta, dos cliques dos celulares e, quem sabe, da transmissão para Milano. Ele olha para aquelas canelas vermelhas e encerra seu ato com seu gesto habitual, arrancando um sonoro e emocionado "oh!" da multidão, alguns até batem palmas de alegria.

Satisfeito por ter agradado seu público, o prateado bichano foge por entre as peles vermelhas. Uma criança aponta para o meio da roda e comenta com a mãe:

- Parece uma salsicha à milanesa! Ou sua almôndega, mamãe!

O gatinho, para surpresa de todos, delicadamente, com a patinha branca, recobriu as fezes com areia da viela, como criança fazendo um castelo. Bicho limpo está ali!


José FRID

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