segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Detrás do rosto - Ferreira Gullar



Acho que mais me imagino
do que sou
ou o que sou não cabe
no que consigo ser
                              e apenas arde
detrás  desta máscara morena
que já foi rosto de menino.

Conduzo
sob minha pele
uma fogueira de um metro e setenta de altura.

Não quero assustar ninguém.
Mas se todos se escondem no sorriso
                                                  na palavra medida
devo dizer
que o poeta gullar é uma criança
                                   que não consegue morrer

e que pode
a qualquer momento
desintegrar-se em soluços.

Você vai rir se lhe disser
que estou cheio de flor e passarinho
que nada
do que amei na vida se acabou:
                        e mal consigo andar
                        tanto isso pesa.

Pode você calcular quantas toneladas de luz
comporta
um simples roçar de mãos?
ou o doce penetrar
na mulher amorosa?


Só disponho de meu corpo
para operar o milagre
                       esse milagre
                       que a vida traz
                                           e záz
                                           dissipa às gargalhadas.


Ferreira Gullar in Barulhos, José Olympio Editora, 7ª edição, 2013, págs.49/50

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