Impõe a idade que me torne
um poeta provecto.
Voltar ao soneto
quem sabe ao solene
É que o corpo se cansou
de ser enigma
e quer
a qualquer preço virar
discurso antológico?
Apaga de tua carne
o cheiro de manga-rosa
o pânico olhar de teu pai
em outubro de 1970
esquece a janela do 9º andar
do antigo IAPC.
Daquele lodo negro sobre a marquise
não destilarias
uma gota de passado um lampejo sequer
de riso ou palavra.
Só o feroz presente
ali está
ou nem isso mas
apenas
a opaca matéria que te invade
e ocupa:
decifra-me
ou foge.
Fujo.
No elevador as pessoas são fantasmas
(por que não dedicar-se ao decassílabo?
de óculos e barbas
engordar em São Paulo citando Ezra Pound?).
Desemboco enfim na Rua México
com meu Mido automático martelando no braço.
Da esquina da Araújo Porto Alegre
sopra um vento de 1953-54...
Que fazer?
O poema já não quer mais ser poema
quer ser fala
esgarçada e esparsa
mover de nuvem
que se desenrola azul do joelho
um murmúrio
rente à pulsão
chamada
Ferreira Gullar in Barulhos, José Olympio Editora, 7ª edição, 2013, págs.37/38
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